O documentarista Yoav Potash, conhecido por trabalhos ligados à Shoah Foundation, jamais imaginou que seu novo filme despertaria uma crise política na Polônia. “Among Neighbors”, que mistura entrevistas e animação para revisitar um episódio brutal do fim da Segunda Guerra, acabou provocando a ira da extrema direita do país, reacendendo tensões sobre como o passado polonês é retratado no cinema.

A produção aprofunda um capítulo historicamente comprovado: o assassinato de centenas de judeus que, após a libertação, voltaram para suas cidades e foram mortos por poloneses locais. O filme foca especialmente em duas histórias de sobreviventes ligados à pequena cidade de Gniewoszów, reconstruindo memórias com uma estética onírica que lembra clássicos como “Valsa com Bashir”.
Apesar de fazer parte de um esforço mais amplo de reflexão histórica no Leste Europeu, a recepção na Polônia virou um campo minado. Embora o governo atual seja de centro-esquerda, o país ainda vive sob forte influência do partido ultraconservador Lei e Justiça, que tem uma base robusta e ocupa postos-chave, incluindo a presidência, hoje nas mãos de Karol Nawrocki.

Quando a emissora pública TVP exibiu o filme e o liberou no streaming, a reação da ala radical foi imediata. Políticos ligados ao presidente acusaram a produção de “manchar a imagem da Polônia” e questionaram se uma emissora “com ‘Polska’ no nome” deveria exibir algo assim. O caso escalou ainda mais quando o órgão equivalente à FCC americana abriu um processo para investigar a decisão da TVP, colocando a própria licença da emissora em risco.
Potash diz não ter ficado surpreso. Para ele, seu filme esbarrou em uma campanha contínua da direita polonesa para suavizar episódios sombrios da Segunda Guerra. Qualquer narrativa que mostre poloneses em papéis que não sejam de vítima ou herói, afirma, vira motivo de ataque. Ainda assim, ele enfatiza que o longa retrata também atos de coragem e solidariedade, e que o próprio filme só existe graças à colaboração de muitos poloneses.
Curiosamente, enquanto enfrenta resistência da extrema direita, “Among Neighbors” tem sido bem acolhido por plateias especializadas. O longa passou por sessões elogiadas, inclusive no Festival Judaico de Varsóvia, ganhou força em eventos de prestígio como o Festival de Santa Bárbara, contou com apoio da Shoah Foundation e até se qualificou para o Oscar. A TVP também declarou publicamente que pretende manter o título em sua programação.
A polêmica se intensifica em um momento em que a Polônia lida com um aumento significativo de manifestações antissemitas. Declarações inflamadas de figuras públicas, como discursos recentes de parlamentares ultranacionalistas, mostram como o tema continua sensível no país. Há também leis que criminalizam qualquer sugestão de responsabilidade polonesa em crimes do Holocausto, o que complica ainda mais debates históricos.
Potash vê paralelos claros com o clima político dos Estados Unidos, especialmente na forma como líderes de extrema direita tentam controlar narrativas históricas e pressionam veículos que divulgam perspectivas alternativas. Críticos independentes também apontaram essa conexão, destacando a relevância do filme em tempos de revisionismo crescente.
Embora elogiado por quem o assistiu, o documentário tem esbarrado numa barreira curiosa: a falta de atenção de grandes festivais e veículos tradicionais dos EUA. Nenhuma grande plataforma comprou os direitos, e jornais como The New York Times e Los Angeles Times não publicaram críticas. Ainda assim, os apoiadores do projeto, incluindo organizações judaicas, mantêm viva a campanha para que o filme chegue a mais públicos, especialmente no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, em 27 de janeiro.
Para Potash, o embate na Polônia pode refletir um momento de transição. Ele acredita que a resistência feroz a qualquer crítica histórica talvez represente os “últimos suspiros” de uma visão nacionalista rígida. Mesmo assim, reconhece que o país vive uma divisão profunda, algo que, segundo ele, fica mais fácil de entender quando se olha para a polarização política dos EUA.
No fim das contas, “Among Neighbors” acabou se tornando muito mais do que um documentário histórico. O filme virou um espelho das disputas contemporâneas sobre memória, identidade e quem tem o direito de contar a história, um conflito que, ao que tudo indica, ainda está longe de terminar.
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