Josh Williams sempre sonhou em fazer cinema, mas esbarrava nos obstáculos que a maior parte dos jovens criadores conhece bem: falta de tempo, de dinheiro e de estrutura para dar vida a ideias ambiciosas. Estudante de efeitos visuais na Bournemouth University, no Reino Unido, ele imaginava histórias grandes demais para o orçamento de um notebook. Até que descobriu ferramentas de inteligência artificial e tudo mudou de escala.
Dessa virada nasceu Ghost Lap, um curta elegante inspirado no universo da Fórmula 1, que acompanha um jovem piloto assombrado pelo próprio passado. O filme não só saiu do papel como conquistou o Jury Prize no Kling AI NextGen Creative Contest, em 30 de outubro. Ao receber o prêmio, Williams contou que começou pelo roteiro, depois passou ao storyboard e à criação de paletas de cores, testando diferentes tecnologias que surgiam num ritmo tão acelerado que ele mal conseguia acompanhar. Agradeceu aos desenvolvedores que impulsionam esse cenário frenético e destacou como a IA democratiza a produção audiovisual, permitindo que gente com poucos recursos, equipes pequenas e até sem atores consiga fazer suas ideias circularem pelo mundo.
A tecnologia que Williams usou é desenvolvida pela chinesa Kuaishou Technology, responsável pelo Kling AI, um modelo de geração de vídeos que tem aparecido em eventos internacionais como o Tokyo International Film Festival e o MIPCOM, conforme a empresa tenta expandir sua presença global. Para Zeng Yushen, chefe de operações da Kling AI, o impacto é claro: os custos caem, o tempo de produção despenca e o espaço para a criatividade aumenta. Projetos que levariam três meses podem ser concluídos em uma semana.

A Kuaishou começou lá atrás, em 2011, com ferramentas simples de criação de GIFs, e em 2013 lançou seu app de vídeos curtos e lives. A evolução da IA veio depois, com a primeira versão do modelo Kling, iniciada em junho de 2024 e atualizada em ritmo quase mensal. Em setembro, chegou o Kling AI 2.5 Turbo Video, com cenas mais dinâmicas, melhor fidelidade às instruções dos usuários e um salto estético voltado à linguagem cinematográfica.
Os números mostram a força desse movimento: só no segundo trimestre deste ano, o Kling AI gerou cerca de 250 milhões de yuans (quase 30 milhões de dólares), com um aumento significativo em relação ao trimestre anterior. A base global já soma mais de 45 milhões de usuários, sendo que 70% da receita vem de criadores profissionais, editores, designers e marketeiros que adotaram a IA como parte da rotina. O restante são empresas de diferentes setores que usam a tecnologia para automatizar tarefas internas, o que já rendeu mais de 200 milhões de vídeos e 400 milhões de imagens criadas pela plataforma.

Zeng explica que o público é variado: desde usuários independentes que fazem anúncios, constroem perfis inteiros nas redes sociais ou produzem curtas usando IA, até clientes grandes das áreas de entretenimento, games, publicidade e produção audiovisual. Entre as parcerias estratégicas, a empresa lançou a iniciativa Astral Short Plays, uma antologia de curtas totalmente gerados por IA, que ultrapassou 200 milhões de visualizações pelo mundo. Criadores de peso, como Timmy Yip (de O Tigre e o Dragão) e Jia Zhangke, também participaram das produções lançadas em 2024. A tecnologia ainda foi usada pelo jogo Sword of Justice para gerar vídeos e efeitos interativos.
A discussão sobre o papel da IA na arte permanece viva, e o próprio Timmy Yip, jurado do concurso, reforçou a importância do toque humano nas produções digitais. Zeng concorda: a ferramenta não substitui ninguém, apenas amplia possibilidades, algo comparável ao impacto do CGI no final dos anos 80. Em sua visão, o que segue central é a visão do criador, seus personagens e a história que deseja contar.
O uso da tecnologia também já chegou a produções maiores. House of David, épico bíblico da Amazon Prime, recorreu ao Kling AI para viabilizar cenas grandiosas que seriam inviáveis sem a automação. O resultado mobilizou uma equipe de 700 profissionais, e Zeng destaca esse ponto para rebater a narrativa de que a IA elimina empregos: para ele, a tecnologia torna mais projetos possíveis e abre espaço para mais pessoas trabalharem neles.
Outra preocupação recorrente envolve direitos autorais, e a empresa afirma ter políticas rígidas para garantir que os dados usados no treinamento sejam obtidos de forma ética, além de orientar usuários sobre o uso correto do material gerado e como respeitar a legislação de propriedade intelectual.
Entre os jurados do concurso estava também a animadora Wang Momo, da Illumination Entertainment e criadora do famoso coelho Tuzki. Para ela, os trabalhos inscritos mostram que a IA está ajudando a construir uma nova linguagem narrativa. Em suas palavras, essa tecnologia não substitui a criatividade humana ela amplifica.
Seja em um curta universitário ou em produções dignas de Hollywood, o recado parece claro: a inteligência artificial está redefinindo o jeito de fazer cinema, não como um atalho barato, mas como uma expansão do que é possível imaginar. E, para muitos criadores como Josh Williams, essa expansão pode ser a diferença entre um sonho guardado e um filme premiado.
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