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A origem do café: lendas, resistências e verdades sobre a bebida que move o mundo

Antes que você pense “quando as pessoas começaram consumir eu não sei, mas certamente estão começando a parar aqui no Brasil, devido aos preços nos mercados”, já te adianto: a história do consumo do café é carregada de mistérios. 

Ah, nossa bebida sagrada de cada dia. Para além dos hábitos cotidianos, ela é o centro do compartilhamento de boas histórias e momentos com quem gostamos de conversar. E é justamente quando os preços sobem, como agora, que percebemos o quanto é fundamental no dia a dia – um item essencial, eu diria.

Mas vamos lá: você conhece as lendas, mitos e resistências por trás do café? 

Existem muitas lendas sobre suas origens, e uma busca rápida na internet vai te trazer várias delas – confiáveis ou não. Como sou curiosa e comprometida em trazer informações seguras, recorri a um artigo do escritor de ciência e pesquisador Dr. Russel Moul, PhD em História da Ciência, Medicina e Tecnologia.

Não sei se posso te convidar a ler este texto com uma boa xícara de cafezinho, mas te garanto boas histórias e informações. Vem comigo?

Uma breve história sobre a possível descoberta do café

A história do consumo do café, propriamente dita, ainda é nebulosa. Há um relato sobre a descoberta do café na Etiópia, no século IX, quando um pastor chamado Kaldi começou a notar um comportamento estranho em suas cabras depois que elas comeram algumas frutinhas vermelhas nas montanhas.

Kaldi levou as frutas para um monge local, mas ele acabou jogando todas no fogo. O aroma maravilhosamente inconfundível tomou conta do ambiente, então as frutas foram retiradas do fogo, moídas e misturadas com água quente. Voilà: a primeira xícara de café!

É uma história envolvente, mas possivelmente fictícia, como explica o Dr. Russel, pois só foi aparecer em registros escritos no século XVII.

Existem muitas outras lendas como a de Kaldi, algumas relacionadas ao sufismo do século XIII. Sabe-se, porém, que o café era abundante nas terras altas da África, então acredita-se que povos antigos, incluindo os ancestrais dos Galla, na Etiópia, possam ter consumido café muito antes dos registros históricos.

Não há evidências, no entanto, de que culturas antigas, como egípcios, gregos, romanos, africanos ou reinos do Oriente Médio tenham cultivado e consumido café. Ainda assim, essa hipótese não pode ser completamente descartada, pois ele pode ter sido consumido de formas não documentadas.

O café como elemento medicinal

As primeiras evidências concretas do consumo de café começam a aparecer nos escritos médicos do século IX, de um médico persa chamado Abū Bakr Muhammad ibn Zakariyyā al-Rāzī, conhecido no Ocidente como Rhazes.

Ele chamava de bunn a fruta do café e de buncham a bebida feita a partir dela. De acordo com registros, ele afirmava que era “uma boa bebida para aqueles de natureza quente, mas reduz a libido”.

Isso indica que o café era inicialmente visto como um elemento medicinal durante a Idade de Ouro do Islã. Essa ideia foi reforçada pelos escritos de Abū ʿAlī al-Ḥusayn ibn ʿAbd Allāh ibn al-Ḥasan ibn ʿAlī ibn Sīnā, ou Avicena, como era conhecido no Ocidente.

No século XI, Avicena escreveu, em seu livro O Cânone da Medicina, que o bunn (a fruta) era capaz de eliminar odores desagradáveis do suor, limpar a pele, refrescar o corpo e agir na mente – o que é considerado a primeira referência ao café como um estimulante.

Café: uma bebida de resistência?

No mundo árabe, o café se tornou uma bebida importante. Os sufis do Iêmen o usavam para manter a concentração durante longas sessões de oração, especialmente à noite. Em 1414, o café já era consumido em Meca. Pouco tempo depois, chegou ao Egito, onde ajudou a estabelecer as primeiras casas de café no Cairo, inicialmente ligadas ao sufismo.

Não demorou muito para que essas casas começassem a surgir também em cidades como Aleppo, na Síria, e, no início do século XVI, em Istambul, capital do Império Otomano.

As pessoas frequentavam essas casas para jogar, relaxar, compartilhar notícias, histórias e ideias – aquele hábito carregado de memória afetiva que seguimos até hoje.

No entanto, as autoridades islâmicas passaram a ver esses espaços com desconfiança. Pensadores ortodoxos consideravam o café um possível intoxicante, comparável ao haxixe e ao álcool, ambos proibidos.

Houve tentativas de proibição do consumo de café, mas elas foram revogadas quando se apontou que, ao contrário do vinho, a bebida não era mencionada no Alcorão como algo proibido.

Com isso, as casas de café também se tornaram refúgios para intelectuais da época, que gostavam de apreciar uma xícara enquanto ouviam música, recitavam poesia e discutiam ideias. Com o tempo, esses lugares passaram a carregar um simbolismo de articulação política e resistência.

A chegada do café ao Ocidente

O café chegou à Europa por duas rotas: pelo Império Otomano e pelo mar, a partir de Moca, no Iêmen – considerado o primeiro grande centro de exportação de café. No século XVII, a Companhia Inglesa das Índias Orientais e a Companhia Holandesa das Índias Orientais começaram a comercializar café no Oriente Médio.

Inicialmente, os europeus viam o café com desconfiança, já que ele estava muito associado à cultura islâmica. A resistência cultural foi tão forte que, por volta de 1600, o Papa Clemente VIII teria “batizado” o café para que os cristãos pudessem bebê-lo sem culpa, desafiando o monopólio muçulmano sobre a bebida.

Isso marcou o início de uma nova era para o café, que começou a perder as associações culturais com o Islã. No século XVIII, britânicos, franceses e holandeses levaram sementes de café para suas colônias na Indonésia, no sul da Índia, no Sri Lanka e no Caribe. 

Assim, a produção comercial do café se expandiu para essas regiões, consolidando-se como um produto cada vez mais vinculado ao comércio europeu.

No Brasil, o café chegou em 1727, trazido pelo oficial português Francisco de Mello Palheta, que trouxe as primeiras mudas da Guiana Francesa para serem plantadas no Pará.

Interessante, né? Espero que você compartilhe essas histórias enquanto desfruta de uma boa xícara de cafezinho com alguém por aí.

Leia mais nerdices aqui.

Jornalista, comunicadora e eterna curiosa. Estou sempre lendo algo novo e explorando temas diferentes, de ciência à música, literatura e detalhes do cotidiano. Não nego um bom papo sobre qualquer assunto e estou sempre de ouvidos prontos para me inspirar em novas histórias.

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