A corrida industrial no deserto atrai fábricas de chips e alimentos, mas o custo ambiental ameaça o futuro de um dos estados mais secos dos EUA.
No coração do deserto do Arizona, uma nova corrida industrial está tomando forma, não aquela das gigantes da tecnologia, mas uma mistura curiosa de fábricas de semicondutores, centros logísticos e plantas de alimentos que consomem água como se estivessem à beira de um grande rio. Nos últimos anos, o estado virou destino queridinho de multinacionais em busca de incentivos fiscais, terrenos baratos e pouca burocracia. Mas o movimento que promete transformar a economia local também reacende um debate incômodo: até que ponto vale deslocar grandes indústrias para uma região que vive um dos cenários de estiagem mais severos dos Estados Unidos?

A história começou a ganhar força quando enormes complexos de chips passaram a ser erguidos no deserto, impulsionados por subsídios federais e estaduais. Com isso, setores inteiros começaram a acompanhar o movimento, incluindo empresas de processamento de alimentos entre elas, grandes produtoras de batatas fritas, que dependem de um processo industrial pesado. A fabricação envolve toneladas de água para lavagem, remoção de resíduos, resfriamento e limpeza de equipamentos, além de produtos químicos para garantir padrões sanitários e tratar efluentes. É um processo que funciona bem em regiões com abundância hídrica. Em Phoenix e arredores, porém, a lógica é outra.
O problema é que o Arizona não apenas é seco: ele está ficando mais seco. O Rio Colorado, um dos principais abastecedores do estado, enfrenta níveis historicamente baixos. Reservatórios como o Lago Mead chegaram ao limite crítico, e a captação subterrânea cresce para compensar o déficit uma prática que, segundo pesquisadores, tem esgotado aquíferos que levaram séculos para se formar. Apesar disso, o estado continua oferecendo pacotes robustos de incentivos para atrair novas indústrias, numa tentativa de diversificar a economia além do turismo e da construção civil.
A conta desse entusiasmo, porém, aparece no lado socioambiental. Cada nova fábrica gera empregos, impulsiona o comércio e aumenta a arrecadação municipal, mas também pressiona ainda mais um sistema hídrico já frágil. A ironia fica evidente quando se considera o contraste: enquanto cidades implementam restrições para irrigar jardins e pedem que moradores economizem água, setores industriais ganham autorizações para operar processos que dependem justamente desse recurso escasso.
Empresas tentam responder com promessas de sustentabilidade. Há quem instale sistemas internos de reciclagem, jardins com plantas nativas mais resistentes e tecnologias para reduzir o uso de água por tonelada produzida. A narrativa é sedutora e ajuda a suavizar a percepção pública. Mas especialistas lembram que, em regiões desérticas, eficiência não elimina o impacto, apenas retarda suas consequências. A soma de indústrias, crescimento urbano acelerado e mudanças climáticas pode transformar o Arizona em um laboratório vivo de escassez logística e hídrica.
Para moradores e pequenos empresários locais, a situação se divide entre esperança e preocupação. De um lado, empregos estáveis e melhor infraestrutura; de outro, a sensação de que o futuro está sendo hipotecado para manter fábricas operando em um ambiente naturalmente hostil à produção em larga escala. A pergunta que surge, então, é quase filosófica: incentivar desenvolvimento industrial no deserto é visão de futuro ou uma aposta arriscada demais para um recurso tão essencial quanto a água?
No fim, o “Vale do Silício das Batatas Fritas” é uma metáfora perfeita para o dilema do Arizona. Uma combinação de ambição econômica, tecnologia avançada, alimentos processados e, no centro de tudo, um ingrediente simples e indispensável: água. O debate está longe de acabar, e as decisões tomadas agora podem definir não apenas os rumos da indústria local, mas também a própria capacidade do estado de sustentar quem vive e quem produz em seu território.
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