Uma das minhas primordiais preocupações em relação a indústria de jogos é o conceito de que ela é frequentemente — ao menos de forma parcial — instigada e alimentada pelo conceito de nostalgia, seja esta pessoal ou coletiva.
A sensação de poder rejogar os clássicos equivale a relembrar os “bons tempos”, de preferência com uma versão “higienizada” do período, onde esquecemos que os problemas que permeavam a indústria ainda estão presentes atualmente.
Seguir esse caminho é muitas vezes buscar o alimento confortável para que você se sinta seguro dentro da sua bolha. Eu detesto isso, e é por isso que eu tive tanta resistência para começar a jogar Blazing Chrome (Steam / Xbox One / PlayStation 4 /Nintendo Switch)
É impossível não olhar para Blazing Chrome e imediatamente pensar em Contra. Esse sempre foi o conceito da Joymasher, que ao longo dos anos olhou para os “clássicos”, querendo prestar sua própria “homenagem” a eles.
Coloco homenagem entre aspas, pois acho reduzir o que ela faz a essa palavra um desacato com o trabalho da desenvolvedora e as formas como ela tenta, na medida do possível, evoluir e refinar a fórmula.
Ao mesmo tempo, eu não consigo olhar para nenhum dos jogos da empresa com uma visão nostálgica, mas sim uma muito mais atual. Apesar de ter crescido na frente de muitos consoles, eu não tinha (e ainda não tenho) muita paciência para jogá-los.
Até 2003 a franquia “Contra” era apenas um nome, mesmo que muitas pessoas continuamente falassem para mim que eu “deveria jogar”. Sentei e finalmente o fiz, e depois de muito sofrimento minha expressão a ver os créditos foi “Bom, certamente existe um público para isso”.
Pois, como é meu costume, tenho de ser sincero com vocês: eu sou terrível em qualquer coisa 2D, qualquer coisa de plataforma. Eu sou aquela pessoa que morre no primeiro goomba do Super Mario World. Eu não sei calcular distância; não sei explicar bem ao certo o motivo.
Mas não é que eu não entenda o impacto que o jogo — e o estilo Run ‘n Gun a que pertencia — teve na indústria. Não sou tão alheio assim. Por outro lado, a desconexão entre mim e o estilo era tão grande que foi só com Blazing Chrome que eu comecei a ter um pouco mais de apreciação por ele.
Porque Blazing Chrome — apesar de mostrar as suas raízes na maneira como escolheu uma paleta de cores que remete à era 16-bit, e na forma como consegue recapturar o estilo “masoquista” e desafiador onde um golpe pode arruinar a sua partida — é acessível. Ainda existe uma curva de aprendizado, claro, mas também é um jogo acessível para novatos.
Não vou mentir e dizer que eu já fui imediatamente para o “normal”; não tenho de provar a minha habilidade para ninguém aqui. Estava com tanto receio de sequer passar de uma fase, que eu escolhi o “fácil” e tentei descobrir até onde o jogo ia me punir – e se essa punição resultaria em uma frustração. Ao contrário do que eu imaginava, eu fui devidamente abraçado por ele.
Dezenas de power ups facilitavam a minha longa e árdua escalada por suas seis fases – com inimigos cada vez mais variados e com padrões de ataques inesperados.
Continues infinitos e a possibilidade de recomeçar de onde parei (uma ótima ajuda para a quantidade de alt+F4 que eu dei após morrer pela centésima vez por um chefão) podem parecer um pequeno gesto para quem está acostumado com o gênero, mas para mim isso significou o mundo.
Posso até argumentar que o mesmo pode ser feito em um game como Metal Slug – que permite créditos infinitos. A diferença aqui está em que Metal Slug gera uma certa ansiedade em mim por sentir que, se eu usei tantos créditos assim para completar o jogo, eu ainda não estou bom o suficiente.
Blazing Chrome, ao contrário, diz para mim “leve o tempo que precisar para aprender, não se sinta pressionado”. Afinal, para aqueles que já estão acostumados com o gênero, Blazing Chrome traz aquele mesmo desafio que você imagina da série Contra e outros Run n’ Gun, principalmente nas dificuldades mais altas. Até me aventurei nelas por alguns minutos, mas vi que não ia durar muito tempo e preferi continuar alternando entre o normal e o hard.
Mas o que o torna especial nos meus olhos vai além do senso de nostalgia que ele pode carregar para muitos. Como disse antes, isso se vê aos montes na comunidade de jogos — sejam essas lembranças algo injetado e meio que coletivas, como a crescente reminiscência dos anos 80, ou reveladas nos jogos que “tentam” agarrar o que fez um jogo ou uma série especial. Muitos deles falham, deslizam, tornam-se desagradáveis ou aglutinam estilos demais em um jogo só.
Blazing Chrome não; ele funciona como deveria funcionar, as ações, os pulos são precisos e refinados como você espera de Contra.
Uma comparação que deve ser feita com jogos de gêneros similares e ao mesmo tempo distantes está em The Messenger e Doom 2016. Um dos pontos que merecia mais discussão sobre Doom 2016 é o quanto – apesar das claras diferenças no design das fases – o dano das armas é similar ao que se encontra no Doom original.
A espingarda do Doom 2016 tem um valor de dano bem similar ao da mesma espingarda do doom original, trazendo assim um senso de “familiaridade” em conjunção com um estilo de jogo mais agressivo [para mais detalhes sobre essa implementação, recomendo assistir a apresentação da GDC sobre o processo de desenvolvimento dos novos mapas].
Por outro lado, The Messenger quis ser não só uma homenagem, como tentar revigorar com uma segunda metade do jogo tomada por um aspecto “metroidvania”, que prejudicou o ritmo tanto das fases quanto do jogo em si. Este, eu vejo meramente como uma homenagem visual, uma “celebração” à era 8 e 16 bits, carente de contexto e carente de algo que o guiasse melhor.
Quando digo que Blazing Chrome reflete especialmente bem como a franquia Contra funciona – tal como as inclusões adicionadas pela Joymasher, como um ataque corpo-a-corpo que pode causar mais dano em certos tipos de inimigos – acrescendo que ele também demonstra, além de uma homenagem, um amadurecimento.
Não é um jogo que vive à sombra de Contra; é um jogo que tem os seus próprios méritos, que estabelece mecânicas com tamanha coerência, retendo tanto a identidade da empresa como a série que o inspirou.
Diferentemente de Odallus ou Oniken – que transbordavam de pequenas referências – Blazing Chrome traça o seu próprio caminho. De certa forma, ele abdica do passado, pois já aprendeu mais do que o suficiente com ele. E já está pronto para trilhar o seu próprio caminho.
Um jogo que, ao lado de Dusk e Amid Evil, mostra que você pode muito bem estabelecer a sua própria identidade, ser acessível e agradar tanto aqueles que buscam o “passado” como querem olhar para o “futuro” – mesmo que esse futuro ainda seja recheado de robôs, explosões e ação desenfreada.
A conclusão sobre Blazing Chrome
Blazing Chrome demonstra o amadurecimento da Joymasher como desenvolvedora com um jogo que claramente é inspirado por Contra, mas não se afoga em referências. É preciso, complexo e moderadamente difícil para quem precisa, mas também acessível e complacente para aqueles que não estão acostumados com o estilo. O melhor jogo da desenvolvedora e facilmente um dos melhores Run ‘n gun dos últimos anos.
(Por Lucas Moura, editor do HU3BR)
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Nota: 5/5
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