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Como a banda The Velvet Sundown, criada por IA, conquistou o Spotify

Do nada, uma banda chamada The Velvet Sundown surgiu no Spotify e rapidamente acumulou quase um milhão de ouvintes mensais em poucas semanas. Com um som descrito como rock psicodélico e viajado, o grupo chamou atenção não só pela estética setentista das músicas, mas por um detalhe curioso: ninguém sabe ao certo se essa banda realmente existe.

O terreno fértil para esse tipo de fenômeno foi a própria plataforma do Spotify, que adota uma política bastante aberta quanto ao conteúdo publicado. A banda lançou dois álbuns, Floating on Echoes e Dust and Silence, no início de junho, e o som, que mistura folk com rock alternativo vintage, logo se espalhou. A produção é bem acabada, mas nada exagerada, o que faz com que as faixas sejam ideais para tocar em segundo plano. O algoritmo do Spotify, que prioriza a sonoridade e o estilo musical em vez de se preocupar com a autenticidade da banda, tratou de empurrar as faixas para diversas playlists populares. Segundo Glenn McDonald, ex-analista de dados da plataforma, a combinação entre inserções pagas e sugestões automáticas pode ter sido o empurrão que levou o grupo a ultrapassar os 900 mil ouvintes mensais até o dia 7 de julho, tudo isso sem fazer um show sequer.

O segredo por trás do sucesso? Uma ferramenta de inteligência artificial chamada Suno, que gera músicas completas a partir de simples comandos de texto. O serviço de detecção do Deezer identificou que as faixas da banda eram 100% criadas por IA, apresentando todos os sinais: produção limpa demais, letras genéricas e vocais que soam quase humanos. A bio da banda no Spotify, que lista quatro integrantes, Gabe Farrow, Lennie West, Milo Rains e Orion “Rio” Del Mar, parece escrita por um chatbot, cheia de frases vagas sobre “evocar mundos” e “se perder na música”.

As coisas ficaram ainda mais bizarras com o surgimento de Andrew Frelon, que se autoproclamava porta-voz do grupo. Ele chegou a conversar com veículos como a Rolling Stone, afirmando que a banda usava Suno propositalmente e abraçava a estética IA. Poucos dias depois, confessou no X (antigo Twitter) que tudo não passava de uma trolagem: ele não tinha nenhuma ligação com a banda, só queria causar confusão e brincar com a mídia. Seu perfil, que antes parecia oficial, logo ganhou o selo de “paródia” depois que a própria página da banda no Spotify desmentiu qualquer envolvimento.

A postura do Spotify em relação a conteúdo gerado por IA também colaborou para o fenômeno. Ao contrário do Deezer, que rotula esse tipo de faixa e restringe sua promoção algorítmica, o Spotify não exige que músicas criadas com inteligência artificial sejam sinalizadas. Isso, somado ao sistema de descoberta baseado em playlists, criou o cenário perfeito para o crescimento explosivo de The Velvet Sundown. A música “Dust on the Wind”, por exemplo, já ultrapassou 1 milhão de reproduções e chegou até a aparecer em um vídeo de maquiagem da Kylie Jenner no TikTok.

Críticos apontam que essa dinâmica prejudica artistas humanos, já que faixas feitas por IA são baratas, fáceis de produzir em escala e, assim, podem abocanhar uma fatia considerável do bolo de royalties. A biografia da banda se define como uma “provocação”, mexendo com os conceitos de autoria, identidade e o futuro da música. Mas, como resumiu a The Atlantic, o som é “estranhamente seguro” — não é ousado nem inovador, mas funciona. E talvez esse seja justamente o trunfo: a IA é capaz de entregar músicas com apelo popular, sem o caos criativo que acompanha a produção humana.

Com um terceiro álbum previsto para 11 de julho, The Velvet Sundown segue firme, deixando no ar a pergunta que não quer calar: até que ponto arte e algoritmo ainda são coisas diferentes?

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Jornalista há mais de 20 anos e fundador do NERDIZMO. Foi editor do GamesBrasil, TechGuru, BABOO e já forneceu conteúdo para os principais portais do Brasil, como o UOL, GLOBO, MSN, TERRA, iG e R7. Também foi repórter das revistas MOVIE, EGW e Nintendo World.

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