Se nos quadrinhos Coringa é condutor de todo o mal que assombra a sociedade, no filme de Todd Phillips ele é resultado de uma sociedade que assombra os desajustados.

O longa concede uma origem humana para o vilão nunca vista antes: não há mais narrativa hollywoodiana sobre a luta entre o bem e o mal – concepções superficiais saturadas dos filmes de super-heróis.

*Spoilers a partir daqui. 😉

Arthur Fleck, antes de ser Coringa, é uma pessoa comum que tenta sobreviver à pobreza diante da competitividade selvagem da cidade grande e tenta encontrar seu lugar em uma sociedade hostil, enquanto vive com transtorno mental.

A interpretação impecável e caracterização chocante de Joaquin Phoenix, que carrega todo filme sozinho, deixam pulsante as dores da alma e aflições mentais crescentes na sociedade moderna.

O palhaço com disfunção neurológica, que ri e chora ao mesmo tempo em situações de estresse – uma representação do drama grego em um vilão do mundo das HQs que carrega no rosto a irrefutável condição humana: a tragédia e a comédia.

Phillips foi pontual ao surpreender o público com uma obra que desvia de todos os clichês, lançando um retrato real e contemporâneo, que ainda conecta com habilidade os dois principais personagens de Gotham.

“Sou eu ou o mundo está ficando meio maluco?”

Empurrado às margens por sua condição mental, Arthur não conhece nada além da violência e o desamparo. Quando conhece, é pura ilusão.

Solitário, observa os malabarismos sociais aceitos como normais: nos shows de stand-up as piadas misóginas; nas ruas, a hostilidade; no talk show mais famoso da TV, a criação da imagem benevolente de um ricaço que se sustenta da desigualdade social.

As convicções morais de um personagem doente psiquicamente em contraste com as de uma sociedade julgada como sã, colocam em pauta a normalidade como algo questionável.

“O que você consegue quando cruza um doente mental solitário com uma sociedade que abandona ele e o trata como um lixo?”

Coringa é um drama pesado e como eu gosto de chama-lo: dilacerante. Aproximando uma perspectiva sobre transtornos mentais, o filme mostra os ingredientes explosivos para se formar um vilão.

É para se pensar nas máscaras. Na subjetividade da comédia. No poder da arte. É para olhar mais atento ao redor.

O filme destila uma narrativa carregada de emoção, e tudo funciona harmoniosamente para conduzir a nossa própria.

Se você estava magnetizado por Phoenix, talvez não tenha reparado como as paletas de cores acompanharam a evolução do personagem: do humilhado ao poderoso com uma arma, do solitário ao amante em ilusão, do famoso assassino ao mártir de uma revolução.

Não é à toa que Coringa foi aplaudido durante 8 minutos no Festival de Veneza, nem que Phillips e Phoenix tenham concedido ao personagem tal prestígio que até as autoridades ficaram em alerta. O que a gente espera, é que o público saiba aproveitá-lo de maneira sã.

Como a paleta de cores conduz a narrativa de Coringa
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