A Maldição da Mansão Bly é a nova série parte da antologia de Mike Flanagan para a Netflix. O diretor que já se mostrou hábil em adaptar livros de Stephen King e, anteriormente, nos presenteou com a controversa série A Maldição da Mansão Hill, dessa vez faz uma homenagem às obras do escritor Henry James.
Na série, uma au pair é contratada pelo tio de dois órfãos para cuidar deles em uma isolada casa no campo. Lá, ela conhece outros empregados da mansão e presencia eventos sobrenaturais ligados ao passado do local, enquanto lida com seu próprio fantasma do passado.
A história surgiu do livro “The Turn of the Screw”, publicado no Brasil sob o título “A Volta do Parafuso”. Escrito em 1898 por Henry James, se trata de um clássico do horror, fonte da qual autores e cineastas beberam ao longo do século como inspirações para suas próprias histórias e adaptações cinematográficas.
O romance sobrenatural foi originalmente publicado de forma serial na revista norte-americana Collier’s Weekly. Já foi descrito por Stephen King como um dos dois únicos grandes romances sobrenaturais dos últimos cem anos, e por Gillian Flynn, autora de “Garota Exemplar” como “uma das histórias de fantasmas mais assustadoras de todos os tempos”.
Não é exagero algum, já que o próprio autor da história confessou ter ficado com medo do que escreveu.
Flanagan disse que “The Turn of The Screw” está “na genética de muitos filmes que amo e em tantos autores que amo… você pode ver como Stephen King não seria Stephen King sem Shirley Jackson e como Shirley Jackson não seria Shirley Jackson sem Henry James”.
Curiosidades sobre o livro que inspirou A Maldição da Mansão Bly
A inspiração sombria de The Turn of the Screw
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O livro não surgiu da pura imaginação de Henry James. O autor criou a obra a partir de uma história contada a ele em uma noite de inverno por um líder a Igreja da Inglaterra.
Edward White Benson era arcebispo de Canterbury e pai do amigo de James, EF Benson. Durante uma visita na casa dele em 10 de janeiro de 1985, o homem contou ao escritor uma história de “crianças pequenas (número e idade indefinidos) deixadas sob os cuidados de empregados em uma velha casa de campo, devido, presumivelmente, a morte dos pais. Os empregados, ímpios e depravados, corrompem e depravam os filhos; as crianças são más, cheias de maldade, em um grau sinistro. Os empregados morrem (a história é vaga sobre isso) e suas aparições, figuras, voltam para assombrar a casa e os filhos”.
A partir disso, James escreveu uma história apresentada como relato escrito por uma narradora sem nome, que foi deixado a alguém de confiança. A jovem governanta havia sido enviada para cuidar de dois órfãos angelicais, Miles, de 10 anos e Flora, de oito anos, em Bly, uma mansão remota no sul da Inglaterra.
Na mansão, ela percebe que as crianças se comunicam com dois fantasmas, de sua antecessora Miss Jessel e seu amante Peter Quint, um criado. Há fortes indícios de que o casal tinha um relacionamento profundamente inadequado com as crianças – o abuso sexual é uma interpretação. Assim, a narradora tenta protegê-los, mas as crianças dizem não ver nada de sobrenatural.
A história é ambígua e James concede inúmeras interpretações acerca do livro. Sendo assim, o relato não é confiável – será que tudo acontece a partir dos delírios da governanta ou realmente são verdade?
A expressão “give the screw another turn” ou “tighten the screw” significa aumentar a pressão de determinada pessoa que já se encontra desconfortável, prestes a ceder, ou alguém que está prestes a perder a sanidade, de acordo com Alberto Manguel no livro “Contos de Horror do Século XIX”.
O título do livro conversa exatamente com essa linha tênue entre realidade e perda de sanidade.
O relato é apresentado em um prefácio como se estivesse sendo contado a um grupo de amigos em uma festa, em uma casa no campo, pelo homem a quem a governanta havia confiado seu manuscrito alguns anos antes.
James deixou a versão da história que ouviu tão tenebrosa o quanto pode. Por isso, chegou a dizer ao seu amigo Edmund Gosse, quando leu sua própria história, “fiquei com tanto medo que tive medo de subir [para o meu quarto] para dormir”.
O terror em The Turn of The Screw
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“The Turn of the Strew” manipula os límites entre realidade e delírio em um nível aterrorizante. A história pode ser lida de infinitas maneiras e James dá poucas pistas concretas de qual é a maneira “correta” de compreendê-la.
As crianças são assustadoras pois são a antítese do que se espera de crianças comuns: inocentes e ingênuas. Os dois podem ter sido corrompidos por Quint e Miss Jessel de uma forma horrorosa ou tudo é fruto da perda de sanidade da governanta. Ambas possibilidades são terríveis, mas nada se compara com a inocência de uma criança corrompida.
Crianças com atitudes diabólicas são suficientemente motivo de terror, como vimos em “The Lodge” de Veronika Franz e Severin Fiala, “A Aldeia dos Amaldiçoados” de Wolf Rilla, “O Exorcista” de William Friedkin e “A Profecia” de Richard Donner.
Livro vs A Maldição da Mansão Bly
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A série desenvolve a mesma ideia do livro em seus primeiros episódios, mas explora também outras obras de Henry James, como “The Jolly Corner”, um conto sobre um homem que confronta seu perverso alter-ego, e “Romance de Certas Roupas Velhas”, em que um baú de velhos vestidos se torna motivo de conflito entre duas irmãs.
A série une vários elementos das histórias de James em uma única narrativa. Sendo assim, A Maldição da Mansão Bly é uma homenagem à obra de Henry James.
Flanagan explora a possibilidade de as crianças serem corrompidas pelos espíritos de Quint e Jessel de maneira mais branda, mostrando como os fantasmas tomariam posse dos corpos das crianças para poderem sair da mansão.
Adaptações de The Turn of the Screw
O leitor de hoje pode não se sentir especialmente impactado com “A Volta do Parafuso” da mesma maneira que a história causou medo quando foi publicada e alguns anos depois. Isso porque o tema “cada mal assombrada” já foi amplamente explorado pela literatura, pelo cinema e TV – a maioria delas, inspirada pelo romance de Henry James.
Para você ter uma ideia, “The Turn of the Screw” já ganhou 30 adaptações, em diversos graus de fidelidade.
Os Inocentes (1961)
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Dirigido por Jack Clayton, o roteiro do filme foi escrito por William Archibald, John Mortimer e ninguém menos que o jornalista e escritor Truman Capote. Considerado pelo The Guardian como um dos melhores 25 filmes de horror de todos os tempos, o longa apresenta uma adaptação literal das possibilidades apresentadas na obra.
Os Outros (2001)
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O diretor espanhol Alejandro Amenábar utilizou elementos da obra de Henry James para criar sua própria história memorável sobre uma mãe que cuida de seus filhos em uma mansão isolada, durante o pós-Segunda Guerra Mundial
Os que chegam com a Noite (1971)
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Michael Winner ofereceu um prólogo ao texto original focado na figura enigmática Peter Quint, interpretado no filme por Marlon Brando.
Através da Sombra (2015)
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Inclusive temos uma adaptação brasileira da obra de Henry James, dirigida por Walter Lima Jr. O filme aplicou mudanças de nomes e ambientações para aproximar a história do território brasileiro.
Séries de TV
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O livro já foi adaptado para duas séries de TV, ambas sob o mesmo título original “The Turn of the Screw”, uma em 1999 dirigida por Ben Bolt e outra em 2009, produzida pela BBC, e dirigida por Tim Fywell.
Os Órfãos (2020)
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Curiosamente, a Maldição da Mansão Bly não é a única adaptação que surgiu neste ano. O filme dirigido por Floria Sigismondi traz uma nova abordagem do clássico, que mantém a história original, mas aproxima alguns elementos contemporâneos à história.
E aí, curtiu as curiosidades sobre o livro que inspirou a Maldição da Mansão Bly? Você já leu The Turn of the Screw? Conta para a gente nos comentários aí embaixo.
Fontes: Macabra | BBC Culture
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