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Após 200 anos, Frankenstein continua o Prometeu acorrentado

Nesse mês comemoram-se os 200 anos da primeira edição impressa em janeiro de 1818 do romance de Mary Shelley “Frankenstein ou o Prometeu Moderno”, cujo impacto na cultura moderna começou com as primeiras adaptações ao teatro. Mas o filme “Frankenstein” de 1931, com as correntes galvânicas, trovões, um cientista louco gritando “Está vivo!” e a icônica maquiagem de Boris Karloff, definitivamente consolidaram o personagem e suas variações (zumbis, autômatos, replicantes etc.) na cultura popular.  Porém, nesses dois séculos as adaptações do livro clássico invariavelmente giraram em torno da crítica à arrogância humana e científica do homem querer se equiparar a Deus. E a punição e sofrimento, assim como no mito de Prometeu acorrentado e punido pelos deuses. Por isso, ainda o cinema deve uma adaptação fiel ao imaginário romântico de “Frankenstein”: a criatura como um Prometeu desacorrentado que sintetizou o espírito revolucionário do Romantismo: a rejeição tanto do cristianismo quanto do materialismo iluminista através do sincretismo da ciência com o terreno espiritual – Alquimia, Cabala e Gnosticismo. Pauta sugerida pelo nosso leitor Eduardo G.

Foi através do Romantismo dos séculos XVIII-XIX que o Gnosticismo deixou o submundo da História para ascender à literatura e à cultura através de autores como Percy e Mary Shelley, Baudelaire, Rimbaud, Baudelaire, Gerard de Nerval etc.

A redescoberta do Gnosticismo pelo Romantismo de certa forma antecipou todo o revival pop do século XX através da pulp fiction, livros e filmes sci fi e o Gnosticismo Pop de Hollywood: a abordagem sincrética, associando o gnosticismo cristão com o hermetismo da alquimia e cabala.

O exemplo famoso dessa retomada da mitologia gnóstica foi a publicação do livro de Mary Shelley em 1818 Frankenstein ou o Prometeu Moderno. Nesse mês comemoram-se os 200 anos da primeira edição.

A obra foi escrita quando Shelley tinha 19 anos após ser desafiada por outra figura emblemática do Romantismo, o poeta Lord Byron (1788- 1824). Casada com o poeta Percy Shelley, junto com seu marido foi passar férias na mansão de Lord Byron. Em um clima chuvoso e sem poderem sair da casa, lançaram entre si um desafio para escrever um conto que transitasse entre o terror e o fantástico. A ideia veio à mente de Shelley que, incentivada pelo seu marido, estendeu-a até transformá-la em um romance.

Nesses dois séculos, depois das críticas iniciais desfavoráveis (duas editoras rejeitaram o romance até ser publicada por uma pequena editora de Londres) a obra tornou-se mais conhecida a partir das adaptações no teatro. Mas foi no cinema que definitivamente a criatura de Dr. Frankenstein tornou-se icônica na cultura popular.

Frankenstein, 1931: “It’s alive!”

Principalmente a imagem mais famosa e eterna do monstro, interpretado por Boris Karloff em Frankenstein (1931), com os raios eletrocutando os parafusos no pescoço da criatura e trovões acentuando a atmosfera aterradora do laboratório. E principalmente os clichês do cientista louco gritando “Está vivo! Está vivo!” e afirmando “agora sei como Deus se sentiu ao criar a vida”, enquanto era auxiliado por um assistente corcunda e assustado.

A narrativa clichê

Não importa quantas foram as versões distantes ou próximas do livro de Mary Shelley nesses 200 anos da trajetória de Frankenstein através da cultura. Sempre há uma espécie de advertência para o homem jamais querer se igualar a Deus – o uso da ciência para roubar da natureza o poder sobre a vida e a morte somente resulta em catástrofes e aberrações.

Questões sobre a ética científica – crimes e atos bárbaros cometidos em nome da ciência e do conhecimento. E, por fim, o drama da criatura de Frankenstein que ao procurar amor e afeto encontra a frieza humana (a repulsa, ódio, medo etc.), o que seria a “verdadeira força negativa” de toda a história contada pelo livro.

Em outras palavras, Frankenstein tornou-se na indústria do entretenimento mais uma narrativa clichê de “quebra-da-ordem-retorno-a-ordem”: o homem desobedece a ordem divina para depois ser punido pelos seus próprios atos e por Deus.

Embora Frankenstein possa ser interpretado como uma crítica à arrogância humana e científica, é difícil dizer se essa era a intenção de Mary Shelley. Na verdade, a história sintetiza o espírito revolucionário do Romantismo que rejeitou tanto o cristianismo quanto o materialismo iluminista através do sincretismo da ciência com o terreno espiritual: alquimia, cabala e Gnosticismo.

 

Frankenstein, teurgia e cabala

O protagonista Victor Frankenstein começa a narrativa como um ávido leitor de alquimistas e ocultistas como Paracelso e Agripa, apesar das advertências dos colegas da Universidade de Ingolstadt sobre essa literatura não científica – ironicamente, para os teóricos da conspiração, essa universidade foi o mesmo local onde surgiu a sociedade secreta Iluminati em 1776.

Porém, Victor tenta repetir a mesma teurgia alquímica (galgar os degraus que façam o homem retornar às suas origens divinas ao imitar as mesmas habilidades reservadas aos deuses – “imitar Deus criando vida”) através dos instrumentos da ciência moderna. Por isso, cria um “golem” da cabala extática (o “não formado”) a partir de pedaços humanos, numa imitação perversa tanto da Criação como da Ressureição.

Certamente influenciado pelo poema do marido intitulado Prometeu Desacorrentado, Frankenstein torna-se um Prometeu moderno. Entretanto, não mais como um conto preventivo (“jamais roube o fogo dos deuses!”). Ao contrário, como um herói finalmente desacorrentado, um conto anti-cristão como símbolo do poder revolucionário humano através da tecnologia e da ciência. Uma “revolução da consciência” que, associada ao ocultismo e esoterismo, seria o pré-requisito para a revolução social que tanto ansiava os românticos da época de Shelley.

Percy Shelley, Mary Shelley e Lord Byron

Cosmogonia Gnóstica

Aliás, a narrativa de Prometeu Desacorrentado tem notável semelhança com mitos cosmogônicos das primeiras seitas gnósticas. Semelhança que irá repercutir em Frankenstein de Mary Shelley.

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