O game The Medium é o projeto audacioso da Bloober Team que pensa fora da caixinha ao trazer uma narrativa envolvente, onde os transtornos mentais se encontram com o gênero do terror. O primeiro jogo desenvolvido para a nova geração do Xbox (Series X/S) choca, emociona e desafia nossos limites.
O título Medium sugere se tratar de uma abordagem sobrenatural, mas à medida que avançamos no jogo, descobrimos que este mundo metafísico por onde a protagonista transita é permeado de metáforas sobre o mundo secreto e íntimo de cada pessoa.
Se o que conhecemos de alguém é apenas uma fração do universo complexo que a compõe, o game Medium investiga as profundezas humanas partindo de um recorte da saúde mental.
Traumas do passado, abusos e lutos são representados em realidades metafísicas particulares de cada personagem do jogo.
Tudo começou com uma garota morta
A história começa com a morte misteriosa de uma menina na beira de um lago, cuja identidade não é revelada. O assassinato sem contexto é o ponto-chave do mistério que vamos desvendar com Marianne, a protagonista.
A jovem é atormentada por uma habilidade de se conectar com o mundo dos mortos. Aparições de espíritos, vozes e pesadelos realistas, como o assassinato da criança, são recorrentes em sua vida.
É através de um espírito que Marianne será conduzida, junto com o jogador, a uma série de pistas e fragmentos de memórias para desvendar a realidade por trás do seu pesadelo.
“Eu quero vestir você, minha roupinha linda”
Não espere nada como os clichês jump scares ou cenas de sustos forçadas, que no fim das contas sempre acabam cansando o jogador com a previsibilidade dos acontecimentos.
Aqui é muito diferente.
O terror de Medium é puramente psicológico. Salvo uma situação ou outra que realmente faz você pular do sofá – eu até dei um gritinho.
As criaturas que aparecem para ameaçar Marianne têm visuais horripilantes.
O primeiro monstro que aparece, um tipo de demônio alto e esguio, é mais aterrorizante que muitos de filmes de terror.
Desde a sua imagem e seu jeito de andar, até sua voz. Principalmente as coisas que ele diz enquanto faz um jogo sádico de ‘esconde-esconde’ com você (Marianne).
“Que roupinha linda você é” e “me deixe vestir você” são alguns exemplos, que provocam uma sensação angustiante no jogador.
Eu me senti assediada e violada pelas palavras dele, e me deu vontade de gritar “sai daqui seu bicho perturbado”.
No geral, as criaturas que aparecem para ameaçar Marianne assustam mais pelo que dizem ao persegui-la.
Além disso, conforme avançamos na história, conhecemos mais sobre a origem dessas criaturas. São demônios interiores que nasceram de sentimentos como medo, raiva, vergonha, impotência, desamparo e luto.
É uma visão metafísica sobre o que acontece com a “alma” e alguém após passar por um evento traumático. O que comumente analisamos como psique. Mas a grande sacada de Medium é personificar essas sensações em monstros horripilantes.
Cada personagem que a protagonista encontra pelo caminho, possui seu próprio monstro interior.
E, no fim das contas, ficamos com uma sensação mista de repúdio, pena e medo.
Mecânica nostálgica e sem combates
A mecânica de Medium lembra os clássicos Final Fantasy e Silent Hill. O game não pede ações complexas ou combates. Por ser um jogo de sobrevivência, tudo ocorre quase de forma contemplativa.
As ações básicas são: interagir com itens do cenário, correr e se esgueirar para fugir dos monstros, usar a luz para se proteger de uma nuvem de mariposas, resolver quebra-cabeças e cortar obstáculos de peles para atravessar portas – uma ação estranhamente satisfatória.
O mais legal é que a tela do jogo é dividida em dois: o mundo metafísico e o mundo material. Ambos possuem visuais distintos.
Marianne vai transitar entre os dois durante a história inteira, já que em algumas partes do jogo ela deve assumir sua forma metafísica para interagir com o cenário, mas isso tem um tempo limite ou ela ficará presa ali para sempre.
Almas corrompidas
Nesta narrativa não linear de Medium vamos participar de uma investigação que se desenvolve através flashbacks de personagens e diálogos desoladores.
É como se estivéssemos interagindo com um filme de thriller psicológico.
O ponto alto do jogo é justamente sua profundidade narrativa. Isso porque a complexidade por trás dos transtornos mentais, um tema ainda visto com tanto preconceito e empurrado às margens da sociedade, é trazido à tona.
Nesse sentido, ao permitir que o jogador entre na mente dos personagens e visite os momentos cruciais que os tornaram o que são, Medium nos faz desconstruir aquele senso comum de que “pessoas com transtornos mentais são apenas doentes”. Aqui, há uma causa, um instante decisivo.
Isso não significa que algumas atitudes deploráveis sejam aceitas, mas sim compreendidas. Embora muitos casos sejam, de fato, dignos de empatia.
No game, compreender um monstro ajuda a destruí-lo ou curá-lo – e é basicamente isso que Marianne faz durante o jogo, levando luz a estas almas presas na escuridão e assim libertando seus espíritos.
É uma boa representação da mente que sucumbe pelos traumas e aquela que, sozinha, não consegue encontrar uma saída.
Ambientação sinistra
Marianne é atraída por uma ligação telefônica do além para um antigo resort onde aconteceu uma tragédia chamada de “Massacre de Niwa”, onde várias pessoas foram assassinadas e os sobreviventes fugiram da área.
Abandonado no período da União Soviética, na cidade de Cracóvia, Polônia, o local hoje se encontra aos pedaços, assim como as almas daqueles que ficaram presas ali.
Neste cenário sombrio e escuro, inocências foram corrompidas, a proteção se transformou em sadismo e a vergonha e o desamparo se tornaram monstros.
Game ]The Medium, uma história marcante
Medium é uma investigação sobre a mente humana, e por isso mexe profundamente com a nossa.
O game é de tal intensidade psicológica que provoca um turbilhão de sensações nos jogadores e os deixam boquiabertos e chocados.
É assim que o primeiro jogo exclusivo da nova geração chega: para desafiar e marcar.
O jogo anterior da Bloober Team foi baseado no clássico de terror found footage A Bruxa de Blair e gerou muita expectativa, mas acabou desapontando pela narrativa morna e mecânica engessada.
Medium estava em desenvolvimento desde 2012, mas ele foi deixado de lado devido a problemas de financiamento. Nove anos depois ele finalmente foi lançado e, dessa vez, a Bloober Team acertou em cheio, tão em cheio que eu não estava preparada para isso.
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