O velho “gás do riso”, usado há mais de um século em consultórios odontológicos, pode ter um papel bem mais sério do que provocar gargalhadas momentâneas. Uma nova meta-análise indica que o óxido nitroso pode se transformar em uma opção real para tratar casos severos de depressão, especialmente aqueles que não respondem aos medicamentos tradicionais. O levantamento reuniu sete ensaios clínicos e quatro protocolos conduzidos por grupos de pesquisa de diferentes países, e o resultado chama atenção: inalar o gás em concentrações clínicas parece provocar melhorias rápidas nos sintomas depressivos.

A investigação foi liderada pela pesquisadora Kiranpreet Gill, da Universidade de Birmingham, em parceria com equipes de Oxford e do Birmingham and Solihull Mental Health NHS Foundation Trust. Gill explica que o objetivo do grupo é desenvolver alternativas para pacientes que enfrentam depressão grave ou resistente, para quem as opções atuais costumam oferecer pouco alívio. Um estudo anterior, também assinado por ela, mostrou que quase metade dos pacientes com depressão maior já não responde a tratamentos convencionais, e muitos chegam a testar quatro ou mais abordagens sem sucesso.
Nos ensaios revisados, um único uso de óxido nitroso, inalado a 50% de concentração, já foi suficiente para diminuir os sintomas em poucas horas. O problema é que o efeito passa rápido, o que motivou pesquisadores a explorar esquemas repetidos, distribuídos ao longo de semanas. Os primeiros resultados sugerem que a repetição pode prolongar o benefício, mesmo que ainda não haja um protocolo definitivo.
A possível explicação para esse efeito está no modo como o gás age no cérebro. Gill aponta que o óxido nitroso interage com o sistema do glutamato, essencial para o funcionamento das redes neurais ligadas ao humor. Bloqueando temporariamente certos receptores, o gás poderia ajudar a reequilibrar áreas envolvidas na regulação emocional, o que justificaria a melhora rápida após as sessões.
Apesar do entusiasmo, os próprios autores fazem questão de destacar que a pesquisa ainda está no começo. O número reduzido de estudos, com métodos diferentes entre si, limita a força das conclusões. Além disso, o uso recreativo do óxido nitroso é frequentemente associado a riscos graves, embora em ambientes médicos ele seja empregado com segurança há décadas. Nos ensaios analisados, não foram identificados problemas de segurança no curto prazo, mas os pesquisadores reforçam que mais dados são necessários antes de qualquer adoção ampla.
Para o professor Steven Marwaha, coautor do trabalho, o estudo representa um marco importante na busca por novas alternativas para quem já perdeu esperança nos tratamentos tradicionais. Gill concorda e afirma que o próximo passo é fortalecer o corpo de evidências e entender como o gás poderia ser integrado de forma responsável ao cuidado clínico.
A pesquisa completa foi publicada no periódico eBioMedicine e abre caminho para um possível avanço no tratamento da depressão, um campo que há anos carece de novidades realmente eficazes.
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