A jornada de uma jovem em busca de sua voz e os fragmentos de si através do mundo lúdico de Gris, convida o jogador a embarcar em uma caminhada de reconstrução e resiliência.

O primeiro título indie do estúdio Nomada propõe uma experiência emocional e sentimental pelos caminhos do íntimo da protagonista, em meio a plataformas e puzzles.

Sem diálogos, contextualização da história através de um narrador ou mapa que revele direções e objetivos dentro do mundo, toda a jornada é traçada na base do instinto. A mágica está na subjetividade, no significado que cada jogador terá com a sua jornada solitária.

O jogo começa com a personagem experimentando uma dor profunda, que leva sua voz embora e deixa seu mundo aos pedaços. De início, o cenário é cinza e desértico em tom pós-apocalíptico, onde a jovem escala as estátuas femininas quebradas pelo caminho.

Não se trata de uma jogabilidade desafiadora, nem cenários perigosos repletos de inimigos ou perigo de morte. Gris exige mais do raciocínio para desvendar os quebra-cabeças, recuperar estrelas para reconstruir constelações e ultrapassar os obstáculos do cenário utilizando as habilidades que conquista com seu vestido.

O jogador passa a maior parte do tempo envolvido nessa longa caminhada de autodescoberta. A arte em aquarela e trilha sonora imersiva evocam a profunda sensação de solitude. É fácil entrar nesse mundo e fazer parte dele.

Tais aspectos e o design da personagem me lembraram a experiência que tive com Journey. Um jogo igualmente belo que também propõe uma jornada solitária. Enquanto Journey se aproxima de uma experiência espiritual e há a possibilidade de agregar um companheiro à jornada, Gris pende mais para o íntimo feminino e é essencialmente solitária.

Como se trata de uma perspectiva emocional da personagem, a transição de cores nos cenários revelam sempre um novo cantinho da mente de Gris e um novo estágio de evolução. Os cenários que habitam as profundezas são sempre escuros e sombrios. Ela deve iluminar esses caminhos e destravar portais para mundos mais coloridos logo acima.

A diversão a mais são as mudanças de gravidade no jogo, que exigem uma boa cognição para coordenar a personagem em um “mundo invertido”.

Os monstros perseguem Gris como fantasmas do passado e sentimentos ruins, como a ansiedade e depressão.

Não há poderes para enfrentá-los através de lutas. No começo, é apenas possível fugir deles. Algum tempo depois, se descobre que é possível usar o dano que eles causam em nosso favor para alcançar objetivos.

O clímax da história é quando a personagem se depara com o monstro mais temido: ela mesma. Mas não se trata de um chefão a ser combatido. É uma revelação de um contato mais íntimo com a própria essência, uma descoberta. Um olhar intenso sobre si.

As estátuas quebradas, alusões à Afrodite, não só representam a potência enquanto ser feminino, mas os eventos que podem quebrar nosso interior.

É unicamente a voz, perdida outrora, que pode retornar com a força de cura e restauração.

Gris ensina a ter um olhar mais generoso e carinhoso sobre nós mesmas, e nos convida a fazer as pazes com nossa história e reconstruir nossos pedacinhos de uma maneira divertida e sensível.

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