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HQ Lama retrata a luta por moradia na Grande São Paulo

A história em quadrinhos Lama, de autoria de Ea Damaia e Cucas, é inspirada em casos reais da luta por moradia na Grande São Paulo e retrata os desafios de uma família que enfrenta uma reintegração de posse.

Contemplada pelo Programa de Ação Cultural (ProAc), da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativa, Governo do Estado de São Paulo, a obra será lançada no dia 8 de março, às 16h00, na Livraria Ugra Press, em São Paulo. 

Os autores descrevem nas 160 páginas coloridas da HQ a reviravolta que acontece na vida de Araci, uma mãe solo, e seus filhos, Rui e Juca, a partir do momento em que recebem uma carta de reintegração de posse do terreno da casa em que vivem na Vila Operária, em Guarulhos. 

Território e afeto 

O bairro da Vila Operária possui uma história comum a muitos locais do Brasil: bairro simples com casas modestas, com famílias de trabalhadores que lutam cotidianamente pelas suas vidas.  Esse território não é apenas um bairro, e sim um espaço que carrega camadas de historicidade. Uma ocupação urbana, por vezes considerada desordenada, mas que foi a única alternativa para diversas famílias. Como é o caso de Araci que comprou o terreno e construiu a casa com muito esforço, numa busca por emancipação de uma complicada relação com sua mãe, para a qual, de repente, precisa se voltar em busca de apoio. Por outro lado, a Vó Zélia aproveita a oportunidade para se aproximar mais dos meninos, que sentem a perda da casa e a reverberação em suas vidas dos conflitos ditos e não ditos entre a mãe e a avó. É por meio do apoio, do afeto e da organização social que Araci e sua família aprendem a lidar com a nova realidade. 

Na HQ Lama, Ea Damaia e Cucas moldam uma tocante história familiar ficcional, inspirada em fatos reais, que atravessa gerações. Entre rupturas e reencontros, a obra aponta a importância da terra e dos territórios – simbólicos, comunitários, materiais – na constituição e manutenção dos laços, das relações e da memória coletiva.

Como surgiu Lama?

Ea Damaia conta que a ideia de produzir Lama surgiu de forma despretensiosa, inicialmente concebida como um zine experimental e silencioso. No entanto, ao se depararem com os requisitos do edital do ProAC – que demandava uma reflexão sobre a economia criativa envolvida no projeto –, a dupla passou a considerar o impacto cultural da obra, o que levou a um aprofundamento das pesquisas para embasar melhor a narrativa. “Um dia, assisti a um vídeo de um morador relatando que sofreu um despejo em Guarulhos, no bairro do Continental, um bairro vizinho de onde morei. Isso despertou meu interesse em me aprofundar na temática. Quando percebi, já estava muito envolvido com a questão da disputa fundiária e do direito à moradia”, relata Ea Damaia.   

Foi durante esse mergulho em pesquisas que os autores tomaram conhecimento dos problemas de regularização fundiária em Guarulhos. Nesse percurso, encontraram o mestrado de Maíra Moraes de Carvalho, Movimentos sociais, território e resistência: a luta dos trabalhadores e do movimento de luta por moradia pela Vila Operária em Guarulhos, SP (2018), que se tornou a principal base teórica para a construção da história. “Após ler o mestrado dela, decidimos nos inspirar para criar nossa própria narrativa, e assim Lama foi nascendo de forma orgânica. Guarulhos é uma das cidades mais antigas do Brasil, um dos maiores municípios do país, com uma história extensa e muito rica”, afirma Ea Damaia.

Lama resgata a luta dos moradores da Vila Operária e aborda um tema urgente: a disputa por terra e o direito à moradia, uma questão que afeta milhares de brasileiros e se entrelaça a outras pautas fundamentais, como a luta por terras indígenas e o enfrentamento aos grileiros. Além disso, Lama vai além da temática da moradia ao trazer uma representatividade positiva das vivências periféricas, retratando uma família preta que encontra afeto e acolhimento em meio às adversidades. 

O projeto é fruto da criação e idealização de autores que pertencem a grupos historicamente minorizados: um autor preto e uma pessoa trans. “É essencial que pessoas como nós produzam obras e conhecimento sobre nossas vivências e realidade. Desejamos que nossa história alcance o maior número de pessoas possível”, declara Ea Damaia.

Inspirações

Ea Damaia e Cucas também buscaram referências em produções brasileiras, como o filme ‘Marte Um’, do estúdio Filmes de Plástico. “Ficamos muito tocados pelo filme e nosso personagem Rui é inspirado no Deivinho do filme. Outra produção foi a série ‘Amar é para os Fortes’, escrito por Marcelo D2,, em que a personagem Rita inspirou na criação da protagonista Araci tanto na aparência quanto na sua relação familiar”, detalham os autores. Além dessas produções, outra referência é o trabalho do ilustrador e quadrinista brasileiro, Jefferson Costa. “Convidamos ele para fazer nossa consultoria de storyboard para o Lama, assim como a Diana Salu para a consultoria de roteiro. Ambas consultorias foram muito valiosas para a construção do roteiro e estilo do Lama”, pontuam os autores. A introdução do livro foi feita por feita por Maíra Moraes de Carvalho, o posfácio é de Kael Vitorelo, e o Blurb por Jefferson Costa e Diana Salu.

Cenários

Os cenários e planos de fundos de Lama foram baseados em fotografias que os autores fizeram da Vila Operária porque a ideia era se aproximar o máximo possível do bairro e trazer a realidade da vida desses moradores. “As cenas das assembleias foram construídas a partir de trechos de entrevistas presentes no mestrado de Maíra. A horta comunitária é inspirada e baseada no local onde a família do Cucas frequenta em Osasco, localizada em um  terreno com torres de alta tensão que a Enel cedeu para os moradores. Usamos fotografias do local para base dos desenhos”, descreve o quadrinista.

Com essa produção, os autores promovem reflexões sobre cada personagem, nossas memórias, raízes e a transformação de histórias, sonhos e casas. A história de luta e resistência dos moradores da Vila Operária retratada em ‘Lama’ cria memórias para que a luta jamais seja esquecida. A HQ Lama  teve pré-venda na plataforma Catarse www.catarse.me/hqlama e atualmente pode ser adquirida pelo site www.cucaslastro.com.br ou em contato pelas redes sociais dos autores @eadamaia e @cucaslastro. No dia do lançamento, em 08/03, será realizada uma sessão de autógrafos e os autores farão a entrega das recompensas para os apoiadores do Catarse com inscrição aqui

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Jornalista há mais de 20 anos e fundador do NERDIZMO. Foi editor do GamesBrasil, TechGuru, BABOO e já forneceu conteúdo para os principais portais do Brasil, como o UOL, GLOBO, MSN, TERRA, iG e R7. Também foi repórter das revistas MOVIE, EGW e Nintendo World.

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