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O Tribunal dos Mortos: como Rick Riordan transformou Nico di Angelo no protagonista que merecia ser

Depois de mais de uma década nas sombras do universo criado por Rick Riordan, Nico di Angelo ganhou sua própria série com O Sol e a Estrela em 2023, e agora retorna com força renovada em O Tribunal dos Mortos, lançado em dezembro de 2025. Escrito novamente em parceria com Mark Oshiro, o novo livro consolida o que a série “Uma aventura de Nico di Angelo vinha construindo sobre um personagem multifacetado e que transcende as limitações de coadjuvante para ocupar o lugar de destaque que sempre mereceu.​

De menino perdido ao semideus complexo

A história de Nico pode não ter começado com o destaque que merecia. Quando foi apresentado pela primeira vez em A Maldição do Titã, o terceiro livro de “Percy Jackson e os Olimpianos“, ele era apenas um garoto confuso descobrindo sua verdadeira identidade como filho de Hades. Sua irmã Bianca havia se juntado às Caçadoras de Ártemis, deixando Nico sozinho no Acampamento Meio-Sangue. Essa solidão inicial marcaria profundamente o personagem, criando uma ferida que o acompanharia por anos.​​

Rick Riordan

Ao longo dos livros de Percy Jackson, Nico evoluiu de uma criança traumatizada para um jovem mais equilibrado, mas sempre carregando cicatrizes emocionais. Foi durante a série “Os Heróis do Olimpo” que Nico realmente começou sua transformação mais profunda. Após descobrir que era apaixonado por Percy e posteriormente processar esses sentimentos, ele finalmente encontrou paz ao aceitar sua sexualidade. Esse arco foi revolucionário, pois Nico se tornou um dos poucos protagonistas LGBTQIAPN+ em uma série voltada para o público young adult, algo que ainda é raro e significativo.​​

A luz que invade as trevas

Se Nico representa as sombras, Will Solace é literalmente a luz. Filho de Apolo, o deus do sol, Will começou como um personagem praticamente invisível nas histórias anteriores. Sua primeira aparição relevante foi em O Último Olimpiano, em que atuou principalmente como curandeiro do acampamento. Era um coadjuvante confortável, seguro em seu papel de apoio, brilhando (literalmente) quando necessário, mas nunca ocupando o centro das atenções.​

Rick Riordan

A transformação de Will aconteceu gradualmente durante a série “Os Heróis do Olimpo”, particularmente em O Sangue do Olimpo, em que Will começa a se aproximar de Nico de forma mais significativa. Mas foi realmente em As Provações de Apolo, quando Nico e Will aparecem oferecendo suporte ao ex-deus, que os dois começam a ganhar maior profundidade. Will demonstra ser muito mais do que um simples curandeiro: ele é perceptivo, leal e profundamente dedicado aos seus amigos.​​

O Sol e a Estrela

Quando O Sol e a Estrela foi anunciado, os fãs imediatamente compreenderam o significado: finalmente, Nico di Angelo teria sua própria narrativa como protagonista, e Will Solace seria seu companheiro igualmente importante. O livro não decepciona nesse aspecto.​ A trama é audaciosa: Nico e Will recebem um chamado do Tártaro, o nível mais sombrio do Mundo Inferior. Um antigo titã chamado Bob, abandonado por Percy e Annabeth em uma fuga anterior, pede ajuda a Nico através de sonhos perturbadores. Mas como um semideus feito literalmente de luz poderia sobreviver nas trevas do Tártaro?​

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Essa premissa força os personagens a confrontarem não apenas monstros externos, mas também verdades internas sobre seu relacionamento. Nico precisa lidar com suas inseguranças sobre aceitar ajuda, enquanto Will prova que sua devoção vai além de cuidar de ferimentos, ele está disposto a descer ao lugar mais assustador do mundo somente para estar ao lado de Nico. É um romance que não se molda aos padrões convencionais do gênero, onde os conflitos emocionais são tão poderosos quanto os desafios mitológicos.​

O Tribunal dos Mortos

Se O Sol e a Estrela estabeleceu Nico e Will como protagonistas merecedores de suas próprias histórias, O Tribunal dos Mortos expande esse universo de forma inteligente. Três meses após retornarem do Tártaro, os dois encontram-se em um período inesperado de paz. Nico está entediado, o que é uma situação irônica para alguém cuja vida costuma ser um caos perpétuo.​

Rick Riordan

Quando Hazel Levesque, meia-irmã de Nico e filha do deus romano Plutão, chama o casal para investigar um incidente no Acampamento Júpiter, Nico finalmente tem a oportunidade de se envolver em uma nova aventura. Mas o que começou como uma simples missão de investigação revela-se algo muito mais sinistro: criaturas do Mundo Inferior escaparam, mitos estão desaparecendo e uma força misteriosa parece estar em jogo.​

A trama toma um rumo particularmente interessante quando descobre-se que Hazel está conectada a essa força malévola de forma profunda e pessoal. Isso não é apenas um livro sobre Nico e Will enfrentando perigos—é sobre o casal provando lealdade àqueles que amam, mesmo quando isso significa questionarem tudo e todos.​

A evolução de uma série

Dentro do contexto maior do universo Riordan, “Uma aventura de Nico di Angelo” representa uma evolução significativa. As primeiras séries de Riordan tinham múltiplos protagonistas alternando o foco narrativo. “Percy Jackson e os Olimpianos” girava em torno de Percy, “Os Heróis do Olimpo” distribuía perspectivas entre sete semideuses, e “As Provações de Apolo” focava no ex-deus Apolo.

Rick Riordan

Mas uma série inteiramente dedicada a Nico di Angelo? Isso é revolucionário. Reconhece que alguns personagens crescem de forma tão interessante que merecem suas próprias narrativas de longo prazo. Mais importante ainda, coloca um personagem queer no centro da história, oferecendo ao público young adult representação genuína.​

Mark Oshiro, coautor de ambos os livros, traz uma perspectiva valiosa. Conhecido por suas obras voltadas ao público jovem e por contribuições significativas em antologias de grande alcance, ele entende a importância de contar histórias onde identidade, relacionamento e aceitação são elementos centrais, não periféricos.​

Rick Riordan

O Tribunal dos Mortos continua essa evolução dos personagens de forma promissora. Rick Riordan e Mark Oshiro entendem que esses personagens não são apenas dignos de suas próprias histórias. E os leitores que acompanharam Nico desde o começo finalmente veem seu favorito receber o destaque que merecia há muito tempo.​

Para fãs de Percy Jackson que desejam algo mais profundo, mais pessoal e mais centrado no crescimento emocional de seus heróis, a série “Uma aventura de Nico di Angelo” oferece exatamente isso. E com O Tribunal dos Mortos agora disponível, não há melhor momento para embarcar nessa jornada ou continuar acompanhando.

Viciado em cultura japonesa, fanático por games e consumidor de ficção científica e fantasia. Designer e já foi editor do Bookeando. Nas horas vagas consegue se dividir entre as batidas do seu taikô, as viagens por uma galáxia muito distante, a eterna busca pela Triforce e as batalhas nas 12 casas do Santuário.

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