Estudos recentes têm apresentado o fator benéfico de alucinógenos em tratamento de doenças psicológicas, como a depressão e ansiedade. Especialmente a psilocibina, princípio ativo de mais de 100 espécies de ‘cogumelos mágicos’, já provou que uma única dose é capaz de aliviar os sintomas de tais condições mentais, combater vícios e ser forte aliado para pacientes em estado terminal.
Essa não é uma descoberta recente. Na década de 60, o enteógeno foi defendido no tratamento dessas aflições da mente e comercializada em muitos países sob o nome Indocybin, pela empresa farmaceutica suíça Sandoz. Embora tenha mostrado bons resultados, a substância foi ligada ao movimento hippie, e inserida na lista de alucinógenos ilegais.
Mas o contato dos humanos com a psilocibina é mais antigo ainda. Diversos povos e culturas como os Maias, Astecas e Maztecas no México comiam os cogumelos com mel ou chocolate em rituais religiosos há milhares de anos, como forma de alcançar a compreensão do Universo e contato com o “Divino”.
Templos e esculturas aos deuses cogumelos também foram construídos por povos da América do Sul e Central. Há pinturas de cogumelos com humanoides que datam 5000 a.C.
Os efeitos dessa substância no cérebro humano foram testados há várias décadas. Hoje, cientistas retornam às pesquisas após anos de hiato.
No último mês, a FDA (Food and Health Administration) aprovou alguns testes com a psilocibina.
“Pela primeira vez na história dos Estados Unidos uma droga psicodélica está no caminho rápido para ser aprovada no tratamento da depressão pelo governo federal”, escreve Shelby Hartman em matéria da Rolling Stone.
Estudos clínicos (realizados com humanos) comprovaram que apenas uma ou duas doses de psilocibina ministradas em situação controlada têm efeitos benéficos profundos em pacientes com depressão e ansiedade crônicas, dependência em álcool e cigarro, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e doenças terminais — pois ajuda na compreensão sobre a morte e alivia o estado de melancolia.
Em 2017, um artigo científico publicado por pesquisadores do Imperial College, em Londres, esclareceu porque a substância tem efeitos tão positivos. Foi o primeiro passo de novas pesquisas que têm removido o estigma em torno da substância e revolucionado seu uso.
No estudo, 19 voluntários depressivos que não correspondiam mais aos remédios convencionais receberam uma dose de 10 mg e outra de 25 mg de psilocibina, com uma semana de intervalo.
Já na primeira semana, os voluntários apresentaram melhora significativa. Na quinta semana, sem terem mais contato com a substância, os efeitos ainda estavam presentes em 47% deles.
Os cientistas analisaram os exames realizados antes e após o consumo, e constataram que ela impulsiona regiões do cérebro responsáveis pela depressão e ansiedade, como a amígdala, que entre outras funções, responde pelas reações emocionais.
“Muitos de nossos pacientes descreveram uma sensação de reset após o tratamento. Um deles afirmou que foi como se seu cérebro tivesse sido desfragmentado, como se faz com um disco rígido.”, explicou Robin Carhart-Harris, líder da pesquisa.
Essa desfragmentação se refere ao estado alterado, como se oferecesse uma capacidade de organizar os pensamentos, refletir sobre assuntos traumáticos e eventos do passado com outra perspectiva e enxergar as coisas de maneira mais clara — já que ocorre a dissolução do ego, possibilitando uma visão mais distante dos assuntos.
Ressonâncias mapearam o fluxo de sangue em cada região do cérebro e identificaram quais partes trocavam informações de maneira mais intensa entre si, antes, durante e depois da experiência psicodélica.
Quando a substância está no auge do efeito, as conexões entre diferentes áreas são muito menos intensas que a média. Após o fim da experiência, foi observado que várias redes neurais não só se reestabeleceram como se tornaram mais estáveis, e o fluxo de sangue na amígdala ficou menos intenso, aliviando os sintomas de tais condições psicológicas.
Relatos que encontrei pela Internet descrevem o contato com a substância como um “reset”, realmente. A experiência dura aproximadamente seis horas, na qual há uma transição entre o estado “rígido” da realidade e o alívio de prisões mentais, o que causa certo desconforto ao entrar nesse “mundo novo”. Duas horas após o uso, quando a experiência atinge o pico, a pessoa é tomada por uma profunda sensação de plenitude, sinestesia, contato com a natureza, bem-estar e percepção dos sentidos alterados e aguçados.
Na contramão dos remédios convencionais, que possuem efeitos colaterais, são usados a longo prazo, têm resultados limitados e chegam a causar dependência nos pacientes, a psilocibina tem resultados instantâneos e efeitos duradouros, sem a necessidade de uso regular. Além de tudo, não é possível causar dependência.
De acordo com o Global Drug Survey, um levantamento de saúde pública feito com 120 mil usuários de drogas de 50 países, a psilocibina é a substância química –ainda ilegal- mais segura do mundo.
Roland R. Griffiths, um dos principais condutores do novo estudo, diz que será uma “nova era na medicina” se o uso for aprovado pelo governo federal.
“Os dados sugerem que os psicodélicos são poderosos agentes comportamentais”, ele acrescenta.
A pesquisa em torno da psilocibina, no entanto, ainda tem suas limitações. Há restrições quanto ao uso em pacientes com certos transtornos mentais, tais como bipolaridade, esquizofrenia e borderline. Também em usuários de antidepressivos ou que contém IMAO em sua fórmula.
O possível futuro de termos a substância ministrada em terapias ou comprimidos de microdosagem, abre um caminho de esperança para as 300 milhões de pessoas que lutam contra a depressão ao redor do mundo.
Se adotada pelos governos, além de aliada fundamental no combate ao mal do século, ofercerá às pessoas não apenas uma segunda chance de viver, mas um intenso mergulho em autoconhecimento capaz de ressignificar suas existências.
Nesse TEDMED, o psicofarmacologista Roland Griffiths explica como o uso científico da substância pode aliviar o sofrimento.