Ciência Games

Parasite Eve – A revolta das mitocôndrias

Mitocôndrias se revoltam. Esse é basicamente o “plot” de Parasite Eve. Jogo lançado para PlayStation em 1998 pela então SquareSoft (atual Square Enix).

Foi só agora com o lançamento do livro Parasite Eve no Brasil, de Hideaki Sena, pela DarkSide Books, que fiquei sabendo que o jogo foi baseado em um livro.

O fato de estar escrevendo agora, 27 anos depois de seu lançamento, mostra uma das características que considero que um jogo realmente bom deve ter: ter sobrevivido ao teste do tempo. É claro que em termos de gráficos ele é naturalmente datado, mas talvez um dos grandes “méritos” seja justamente seu roteiro. Ele surgiu em uma época em que os grandes estúdios ainda se arriscavam em distintos projetos, e não apenas se apoiavam em suas IPs (propriedades intelectuais) consolidadas, como é o cenário atual.

Combate em Parasite Eve.

Foi também uma época de transição, passando da geração 16 bits e seus jogos 2D para a geração 32/64 bits e seus jogos 3D. A possibilidade de jogos poligonais/3D fez com que muitos estúdios experimentassem com a criação de jogos de terror. Como o exemplo marcante da Capcom, conhecida até então por jogos de cores vibrantes como Mega Man e Street Fighter, surpreendeu a todos na época quando criou o primeiro Resident Evil para PlayStation. A Squaresoft também vai passar por essa transição, e cria então Parasite Eve, um jogo de terror que se passa em um cenário urbano moderno.

Genética

Parasite Eve, que em tradução livre para o português seria Eva Parasita, parte da teoria biológica da endossimbiose, proposta em 1967 por Lynn Margulis (na época assinando como Lynn Sagan). As mitocôndrias são organelas celulares fundamentais para a “respiração celular”, processo de geração de energia para as células. Dependendo do tipo de célula e tecido, podem existir dezenas, centenas ou até milhares delas em cada célula.

Teoria da Endossimbiose


Segundo a teoria da endossimbiose, as mitocôndrias, há milhões de anos atrás, eram organismos de vida livre, que em algum momento buscaram proteção no interior de outros organismos unicelulares, em troca provendo energia para esses organismos. Essa relação, benéfica para ambos, se estreitou e perdurou até hoje. Criando uma dependência obrigatória entre essas organelas e a totalidade das nossas células.

Com relação ao nome, Parasite Eve (Eva Mitocondrial), está relacionado a teoria da Eva Mitocondrial. Segundo essa teoria, todos os DNAs mitocondriais existentes em indivíduos atuais, podem ser rastreados até o passado, até o Ancestral Comum Mais Recente da nossa espécie, na África, há aproximadamente 200.000 anos atrás. Os pesquisadores que geraram esta hipótese salientaram que esta “mãe” não foi a primeira mulher, mas sim a mulher que carregava a linhagem mitocondrial ancestral de todas as demais encontradas atualmente.

Parasite Eve, como obra de ficção, parte da ideia de que as mitocôndrias estariam “descontentes” com essa relação. No jogo isso se reflete na existência de um vilão principal e de muitos inimigos, todos “mutados” pelas mitocôndrias. Ficou marcado na memória coletiva daqueles que jogaram o jogo na época, a cena em que a vilã, comandando as mitocôndrias das pessoas presentes em um teatro, gerarem tanta energia a ponto de fazer as pessoas entrarem em combustão.

Outras obras/mídias relacionadas

Parasite Eve, o jogo lançado em 1998, teve duas sequências: Parasite Eve II, lançado em 1999; e The 3rd Birthday, lançado em 2010.

Antes dos jogos, foi lançado também um filme em 1997, dirigido por Masayuki Ochiai, co-produzido pela Kadokawa Shoten e Fuji Television, e distribuído pela Toho.

Parasite Eve teve também 3 mangás: Parasite Eve (1998), Parasite Eve DIVA: N.Y. Shi no Utahime 1 (1998) e 2 (1999).

Relação ciência-videogame-ficção

Mitocôndria

Hideaki Sena, autor da obra original (o livro lançado originalmente em 1995), é farmacologista e trabalhou especificamente com mitocôndrias durante seu doutorado. Parasite Eve é um ótimo exemplo de como a relação entre ciência e videogames pode levar a obras que funcionem muito bem como entretenimento, mas que também possam levar ao interesse pelas teorias biológicas que servem como base para seu roteiro.

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Biólogo/geneticista pesquisador na área de evolução humana, genética de populações humanas, coevolução gene-cultura. Nos últimos anos passou a pesquisar também videogames e sua interação com a ciência. Atualmente é Pesquisador no INCT Forense e Pós-Doutorando no PPG Patologia da UFCSPA. É pesquisador colaborador no Game_Pesq, grupo de pesquisa sobre jogos eletrônicos, cultura e sociedade. Atua como consultor científico no Science Game Center e no Molecular Jig Games.

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