Por décadas o urbanista e pensador francês Paul Virilio, através de inúmeros ensaios sobre estratégia, tecnologia e estética, nos alerta para o risco do “Acidente Integral”: o momento em que a velocidade dos sistemas computacionais automáticos, cujas decisões estão à cargo dos algoritmos, se precipitará catastroficamente sobre o Tempo, a Sociedade e a História. A ameaça do Bug de 2000 foi o preâmbulo; e o risco probabilístico de que o acelerador de partículas do CERN produza um buraco negro que trague todo o planeta o seu principal simbolismo. O documentário “Paul Virilio: Pensar a Velocidade” (2009), no momento exibido no Brasil pelo canal fechado “Curta!”, narra o pensamento original do pesquisador francês cuja especialização que criou (a “Dromologia”) parte de dois pressupostos: primeiro, toda tecnologia surgiu da guerra e, por isso, irradia o princípio da velocidade como modo de vida. E segundo, toda tecnologia produz o seu acidente: o trem, o descarrilamento; o avião, o acidente aéreo; o navio, o naufrágio. Paul Virilio questiona: portanto, qual será o acidente produzido pela “bomba informática”?

“O tempo é demoníaco, a velocidade é divina”. Esta frase está estampada nas paredes de muitas empresas do Vale do Silício. Celebra muito mais do que o sucesso comercial dos seus negócios, mas principalmente um imperativo moral que foi irradiado para todo o planeta: ser veloz é moralmente bom – é o significante da eficiência, superioridade e inteligência. Ao contrário, a lentidão é sinônimo de frustração, inferioridade, fraqueza: ser escravo do tempo.

Mas nesse momento, chegamos ao limite do nosso poder: pela primeira vez na história o tempo humano e o tempo tecnológico foram sincronizados através do tempo real. Chegamos à instantaneidade, ubiquidade e imediaticidade. Podemos estar aqui e lá ao mesmo tempo. Mas tamanha aceleração paradoxalmente nos levou a um estado de inércia, no qual poderemos delegar todo esse poder às máquinas.

Nesse momento estaremos no ápice da aceleração e, por isso, sujeitos ao Acidente Integral – o momento em que delegaremos todo o poder às máquinas, quando o tempo tecnológico ultrapassará o humano e estaremos sujeito ao Acidente de todos os Acidentes. E a ameaça do “Bug do Milênio” (a paralização planetária de todos os sistemas) foi apenas o prólogo do que está por vir.

Tecnologia e Acidente

Esse é o tema central do documentário Paul Virilio: Pensar a Velocidade (Paul Virilio: Pensé La Vitesse, 2009 – assista abaixo com legendas em espanhol no YouTube).

Nascido em 1932 em Paris, urbanista e filósofo, pensador que foi contemporâneo e amigo de Derrida, Baudrillard e Deleuze (numa cena denominada como “Pós-Moderna”), autor de numerosos ensaios sobre estratégia, logística, estética e tecnologia, tem colocado como centro do seu pensamento a ameaça do “Acidente Integral” – a hipótese apocalíptica dos tempos modernos no qual a velocidade, mais do que em qualquer outra época, expõe a sociedade ao acidente. Levado pelo sonho de ubiquidade e eficiência que, partindo do motor a vapor até chegar à rede global, deixaria menos espaço e tempo para a reflexão.

Paul Virilio - Pensar a Velocidade: o Acidente Integral é o nosso futuro?

 

“O progresso e a catástrofe são anverso e reverso da mesma moeda (…) o trem inventou o descarrilamento, o avião inventou o acidente aéreo (…) não há nisso pessimismo ou desespero, é um fenômeno racional, mascarado pela propaganda do progresso”, diz Virilio na abertura do documentário.

Paul Virilio é um pensador único. Talvez o único teórico que levou ao extremo os estudos dos impactos da velocidade e da aceleração na cultura e percepção humana. A originalidade de Virilio é o de evitar cair em dois pressupostos comuns em relação à tecnologia: primeiro a visão antropomórfica das ferramentas e dispositivos como extensões ou próteses que ampliam os sentidos humanos (o telescópio para os olhos, e assim por diante) ou a tecnologia como uma ferramenta neutra, nem boa e nem má – depende da finalidade dada pelo homem: a energia nuclear pode tanto salvar vidas na Medicina como exterminar milhões na guerra.

A terceira via da “Dromologia”

Virilio abriu uma, por assim dizer, terceira via: há um paradigma, uma metafísica, uma visão de mundo intrínseca na tecnologia: o princípio da Guerra – a velocidade. Todos os avanços tecnológicos em primeiro lugar foram pensados para a logística militar – aceleração e velocidade são imperativos da logística dos campos de batalha. Para mais tarde seus subprodutos serem comercializados para o restante da sociedade.

 

Vídeo games (originalmente desenvolvidos para a simulação de estratégia militar) e a Internet que surgiu a partir de pesquisas militares no auge da Guerra Fria com a rede ARPANET nos anos 1960 seriam alguns exemplos. Exporiam a percepção humana à mesma experiência dos cenários de conflagração bélica, com consequências cognitivas como a “picnolepsia” – estados de afasia temporais e espaciais. E a “propaganda do progresso” esconde essas origens da evolução tecnológica, colocando tudo como se fosse o progresso das necessidades humanas.

Virilio criou uma especialização para analisar esses fenômenos: a “Dromologia” – de “dromo”, “corrida”, ciência ou estudo da lógica da velocidade. área de estudos interdisciplinares procura entender como a velocidade empreendida pela novas tecnologias (velocidade e aceleração de deslocamento e percepção do tempo e espaço) muda essencialmente a natureza dos fenômenos políticos, sociais e culturais.

O bunker e a sociedade da informação

No documentário acompanhamos como surgiu esse insight que Virilio levou por toda vida: na adolescência visitou os bunkers de observação nazistas nas praias do norte da França: a imobilidade dos bunkers se conecta com a função de vigiar todos os planos do horizonte marítimo. Lá compreendeu que a vigilância não é nada sem o controle da transmissão. O prenúncio da sociedade da informação: nos mantemos estáticos, inertes num espaço não mais sentido, para a mente se manter vigilante por todos os planos do horizonte do ciberespaço – ubíqua e instantânea.

 

Para Virilio, as origens do futuro Acidente Integral estaria nessa desconexão fundamental entre tempo e espaço, geografia e ciberespaço, sociedade e tempo real. Assim como o bug de 2000 foi o prólogo desse Acidente, outros atritos entre essas duas dimensões estariam atualmente corroendo a Democracia (a velocidade das transações globais excede o tempo da política, tornando o Estado uma figura decorativa), a Economia (as transações financeiras automáticas governadas por algoritmos garante a hegemonia da especulação, muito mais velozes do que o tempo lento da agricultura, comércio e indústria) e a Mídia – o tempo de uma CNN é muito mais veloz do que a capacidade do mundo produzir notícias ou acontecimentos.

CERN e o buraco negro

Por exemplo, Paul Virilio vê no acelerador de partículas do CERN (Centro Europeu de Investigação Nuclear, a 100 metros abaixo da terra entre França e Suíça, no qual quase se alcança a velocidade da luz para provocar o choque entre partículas, uma metáfora dessa catástrofe futura: a possibilidade probabilística de que a aceleração da desintegração das partículas provoque buracos negros que no final acabem por devorar toda a matéria terrestre, fazendo desaparecer todo o planeta.

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