Guarde essa informação para a próxima vez que alguém disser que você é sensível demais: talvez não seja exagero, mas biologia. Durante séculos, a ideia de que os seres humanos possuem apenas cinco sentidos foi aceita quase sem questionamentos. A noção vem lá da Grécia Antiga, atribuída a Aristóteles, e sobreviveu ao tempo mesmo depois de muitas outras teorias do filósofo terem sido revistas ou abandonadas. Agora, a ciência moderna volta a cutucar esse consenso e aponta que nossa percepção do mundo pode ser muito mais complexa do que se imaginava.

Em 2014, o neurocientista britânico Sir Colin Blakemore sugeriu que os humanos poderiam ter até 33 sentidos diferentes. Na época, o número pareceu ousado, mas pesquisas recentes indicam que ele talvez nem estivesse exagerando tanto assim. A visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar continuam sendo centrais, claro, mas estão longe de contar toda a história sobre como nosso corpo interpreta o que acontece dentro e fora dele.
Um dos exemplos mais intrigantes surgiu recentemente com a proposta do chamado “sentido neurobiótico”. Pesquisadores da Duke University School of Medicine investigaram se o corpo seria capaz de perceber, em tempo real, a atividade dos microrganismos que vivem no intestino, não apenas como uma reação imunológica, mas como um sinal neural capaz de influenciar o comportamento. A resposta parece ser sim. O estudo identificou que certas bactérias intestinais liberam uma proteína chamada flagelina quando há comida disponível, e que células sensoriais especializadas do intestino conseguem detectar essa substância e enviar mensagens diretamente ao cérebro.
Esses sinais parecem ter um papel importante no controle do apetite. Em experimentos com camundongos, animais que não conseguiam perceber a flagelina continuaram comendo mesmo após o corpo teoricamente indicar saciedade, o que resultou em ganho de peso. Embora os resultados ainda não possam ser aplicados diretamente aos humanos, eles abrem um campo fascinante de possibilidades, incluindo a ideia de que os microrganismos que vivem em nós possam influenciar decisões alimentares de forma quase imperceptível.
Outra descoberta curiosa envolve algo que lembra superpoder, mas está mais perto da ponta dos nossos dedos. Pesquisadores identificaram em humanos um tipo de percepção chamada “toque remoto”, algo que já era conhecido em aves costeiras como maçaricos e batuíras. Esses animais conseguem detectar pequenas vibrações na areia para localizar presas escondidas. Nós não temos bicos, mas temos mãos, e aparentemente isso basta para algo parecido.
Em testes, voluntários moveram os dedos pela areia tentando identificar a presença de um objeto escondido antes de tocá-lo diretamente. Surpreendentemente, a maioria conseguiu detectar um cubo enterrado com mais de 70% de precisão a quase sete centímetros de distância. O desempenho foi, inclusive, melhor do que o de robôs treinados para realizar a mesma tarefa. Os pesquisadores acreditam que esse tipo de percepção pode inspirar novas tecnologias, desde ferramentas médicas mais delicadas até robôs capazes de explorar ambientes perigosos, como o solo de Marte ou o fundo do oceano, sem causar danos.
Para Blakemore, no entanto, o ponto mais importante não é apenas descobrir novos sentidos, mas mudar a forma como pensamos sobre eles. Segundo o neurocientista, o erro histórico foi estudar cada sentido de maneira isolada, como se funcionassem separados. Na prática, nossas experiências cotidianas são sempre multisensoriais. O sabor de um alimento, por exemplo, não depende só do paladar, mas também do cheiro, da textura, da aparência e até dos sons ao redor.
Essa integração constante mostra que os sentidos trabalham em conjunto o tempo todo, e não como sistemas independentes. Entender a percepção humana, portanto, exige uma abordagem mais ampla, que una filosofia, neurociência e estudos cognitivos para repensar como o corpo e o cérebro constroem a nossa realidade. No fim das contas, talvez sejamos mesmo mais sensíveis do que imaginávamos, mas isso pode ser apenas sinal de que estamos usando muito mais sentidos do que aprendemos na escola.
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