Por Lucas Moura, do HU3BR.
Quatro homens sentam em um bar. É mais uma noite típica para eles:  esposas,  relacionamentos, possíveis casamentos. É o Stray Sheep Bar, o  destino principal de Vincent e seus amigos. Um lugar para botar para  fora as desavenças da vida, o que os chateia, os medos. Ou ao menos  deveria ser, pois todos os personagens, com a exceção de Vincent, seguem  estereótipos de masculinidade facilmente identificáveis. O brincalhão, o  que não se abre muito, o mulherengo.
Apesar das cores rosas e marcantes tanto da capa original quanto das 
cenas e ambientação, Catherine é um jogo extremamente masculinizado, 
construído dentro de uma indústria cuja temática ainda era (e de certa 
forma ainda é, apesar de grandes avanços nos últimos anos) de que o 
público masculino é o que mais vai atrair as vendas.
Quando eu descobri Catherine em 2011, eu o ignorei por meses devido 
às cores rosas, à estética “anime demais” para o meu gosto. Eu, na 
época, estava moldado em certos padrões que faziam com que ele não se 
encaixasse dentro da minha vida.
Eu estava no começo dos meus 20. 

Quando sentei para revisita-lo, agora perto dos meus 30, vi que 
também tinha a mesma roda de amigos. O brincalhão, o mulherengo, o 
sério, o comprometido. Nós tivemos o nosso Stray Sheep Bar, nos 
encontramos ocasionalmente para rirmos, falarmos das nossas desventuras 
em relacionamento. Tudo tinha um ar meio leve, como se aquilo fosse o 
tradicional — o certo. Para mim era; para mim era o que devíamos fazer 
na época, e mais nada. O que houve com eles, eu não sei. Eu perdi o 
contato com eles anos atrás. Seguimos caminhos diferentes , a vida 
aconteceu, sei lá, você sabe como é
“Então, você vai se casar com Katherine? Ter filhos?”, perguntou um 
dos amigos de Vincent no começo da história. Vieram as memórias de ter 
recebido a mesmas questões e análises sobre o meu futuro. Devo ter feito
 a mesma cara de Vincent — pavor, medo futuro, incerteza, de estar ou 
não fazendo a coisa certa — que a cutscene me mostrava.
Paralelamente a minha jogatina de Catherine, conversava com uma amiga
 que agora está na Austrália, cursou biomedicina, nunca seguiu a 
profissão, e agora tem uma empresa. Rimos, pois o mesmo aconteceu 
comigo. Era para eu estar sendo algum analista de marketing em alguma 
empresa, mas estou aqui escrevendo sobre um jogo de 2011 que só deu as 
caras no PC em 2019.
Oito anos. Oito malditos anos em que a minha vida foi de um aspirante
 a analista, para um aspirante a geopolítica, para assentar na escrita e
 dissecação de jogos. Oito anos desde que eu olhei para uma capa rosa 
onde uma mulher de olhos azuis e cabelos semi-cacheados levantava as 
alças de seu corset enquanto um homem com chifres de bode, e outras 
ovelhas / bodes se despencavam diante de sua beleza — ou o desespero do 
que a vida deles haviam se tornado — e pensou “Mas que cacete é isso? 
Por que me recomendaram isso? Eu não vou jogar isso, é ridículo”. Rio 
ainda mais quando noto o boneco da Hello Kitty que ganhei de um ovo de 
páscoa em 2014. “Eu sei que você gosta de Hello Kitty, então eu vi que 
esse vinha com brinde”. Ainda bem que mudamos.

Essas viagens no tempo, apesar de divertidas e gostosas de se 
relembrar, também são pavorosas. Quanto mais a história de Vincent, 
Katherine e Catherine avançava, mais eu me sentia incomodado. Reparei o 
quão rápido esses últimos anos passaram, como as atitudes dos amigos de 
Vincent me incomodavam hoje em dia. Ainda é o jeito deles, como era dos 
meus amigos. Um jeito com o qual eu não concordo e não consigo conviver 
direito. Um que eu agradeço ter deixado no passado. 
Mas também foi a hora em que eu me dei conta de que, por mais que 
negasse, eu estava ali — presente no meu próprio Stray Sheep – e 
compartilhava, era conivente com aquelas atitudes. Em algum ponto eu 
mudei, seja por trauma, amadurecimento, ou coragem – não sei dizer 
exatamente como, e essa é um pergunta que, apesar de ainda pairar na 
minha mente, certamente não será respondida nesse texto.
Os estágios, que antes tratava como uma atração principal e o maior 
motivo de eu ter me apaixonado por Catherine (o jogo, não a personagem),
 ganharam um atributo de coadjuvante. Foi só agora que eu entendi os 
pesadelos de Vincent: o futuro, o casamento, o filho, os prazeres 
carnais e as tentativas de se esquivar deles. Mova blocos, remova 
armadilhas, desafie-se a subir mais um andar. E depois outro andar. E 
depois outro andar. Até a sua “liberdade”.
Para evitar spoilers, eu não vou entrar nos absurdos que são os 
conceitos de liberdade, escolha e “ordem” estabelecidos pela Atlus em 
Catherine. Sei que eles foram produzidos em 2011, e acho até que meu 
“eu” da época poderia ter concordado, mas o meu “eu” de hoje discorda. 

Afinal, ordem, liberdade e escolha são atributos cuja definição pode 
variar bastante ao longo da nossa vida. Aprendemos uma coisa um dia, 
desaprendemos em outro. Subimos uma escada, movemos um bloco, 
escorregamos e caímos cinco andares, para no dia seguinte começar tudo 
de novo.
Entre essas movimentações de blocos todas, Vincent conversa com 
outras ovelhas — aqueles que seguem a então imposta “ordem”, aqueles que
 buscam a resposta para os seus medos, que encontram maneiras de subirem
 a temida “Torre” que é o componente de quebra-cabeça do jogo. Alguns 
querem desistir, outros querem seguir em frente, outros só querem ficar 
ali, pois se consideram pertencentes àquele “mundo”. Teria eu me tornado
 uma dessas ovelhas, empacado em um mundo que aceitei ser aquele ao qual
 pertenço, e padecerei aqui? 
Enquanto estou neste momento de reflexão, aproveito para reafirmar  que Catherine ainda é um jogo “bobo”; é exagerado em seus temas,  masculinizado, potencialmente problemático em muitos aspectos, sobre os  quais não vou discorrer já que não me sinto capaz e há quem possa falar  disso melhor do que eu. Para isso, aponto você para a excepcional  análise de estereótipos de gêneros produzida em 2011 por Emily Short ao Gamasutra, ou para a curta e interessante crítica do jogo feita por Astrid Johnson do Rock Paper Shotgun sobre os elementos transfóbicos presentes.
Ainda ciente desses temas, dos problemas, digo para você: jogue 
Catherine, seja essa a sua primeira ou milésima vez, mas não jogue só 
por jogar. Não ria dos personagens ou os julge de cara. Lembre-se de 
quem você era em 2011, coloque-se mais no lugar dos personagens, 
injete-se mais na história. Afinal, o que é compreender a dor, o medo do
 outro, se não doar uma parte de si para que as angústias, que não lhe 
pertencem, se tornem mais claras?

E quando você se sentir que se tornou uma das ovelhas, que não 
consegue subir mais um bloco, que não é capaz de se mover o mais rápido 
que pode, como se a vida fosse uma eterna corrida para quem está no topo
 e toca o sino para a “liberdade”, compartilho uma passagem
 da adaptação cinematográfica “O Escafandro e a Borboleta”, a 
autobiografia de  Jean-Dominique Bauby, que sofreu um derrame em 1995 e o
 deixou quase totalmente paralisado. 
Em dado momento da história, o jornalista Pierre Roussin visita 
Bauby. Roussin havia passado quatro anos em cativeiro no Líbano. Roussin
 olha para o então paralisado Bauby e diz: “Agarre-se o mais rápido possível ao humano dentro de você… e sobreviverá.”
Agarre-se, no que puder. Lembre-se do humano que você é, que você não
 é essa caixa. Que você mudou com os anos. Respeite isso, mova esses 
blocos com gosto; com a experiência que conquistou, com a coragem que 
você que sequer sabia que tinha.
Catherine é um jogo bobo, sempre vai ser. Talvez eu esteja dando 
crédito demais para a Atlus pelo o universo que construíram. Mas ele me 
ajudou a ver que minha Stray Sheep foi embora, que eu mudei. Que eu me 
transformei. Que eu empurro blocos com mais facilidade do que antes. 
E que certas dores, por mais intensas que aparentem ser, são sempre passageiras.
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