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The Egg, uma animação do conto filosófico de Andy Weir

Se o sentido da vida nos fosse dado antes de nascermos, saberíamos como tratar uns aos outros e a nós mesmos? É na linha final da vida que se compreende, finalmente, o papel da existência? O conto filosófico The Egg faz uma alegoria à tais possibilidades em um curta que destila a essência existencial.

Escrito por Andy Weir em 2009, mesmo autor de The Martian, adaptado para o cinema por Ridley Scott, o conto publicado em seu próprio site conquistou o mundo: foi traduzido para mais de 30 idiomas.

E não à toa. Weir foi capaz de resumir um tema denso tão antigo quanto nossa própria consciência, cobiçado há séculos por poetas e filósofos, de maneira objetiva, clara e concisa. De uma maneira que faz pensar: “É tudo tão simples. Por que complicamos tanto?”

A narrativa é ambientada em um plano metafísico, onde o protagonista dialoga com um ser superior que começa a explicar como seus atos afetaram a vida de todos que ele conheceu e como seu próprio “eu” é catalisador de absolutamente tudo o que se vê, crê e age.

Relembrando a pintura de Vladimir Kush, “Sunrise by the Ocean”, que retrata o início da vida em um ovo, o conto representa o fim para o começo, como um renascimento.

“Toda vez que você enganou alguém, você estava enganando a si mesmo. Cada ato de bondade que você teve, foi feito para consigo mesmo. Cada momento feliz e triste que você teve com qualquer pessoa foi, e será, aproveitado com você.”

The Egg é o tipo de narrativa cuja digestão mental começa em seu fim, deixando uma deliciosa reflexão.

O estúdio alemão Kurzgesagt desenvolveu uma animação belíssima, que dá vida a este conto grandioso, em comemoração ao seu 10º aniversário.

Assista no player abaixo. De tela cheia. E ative as legendas para português, se for preciso.

Boa explosão de cabeça. 😉

E leia, releia… quantas vezes for preciso.

The Egg

Você estava a caminho de casa quando morreu.

Foi em um acidente de carro. Nada muito chamativo, mas infelizmente fatal. Você deixou sua esposa e duas crianças. Foi uma morte sem dor. Os para-médicos tentaram de tudo para te salvar, mas em vão. Seu corpo foi completamente destruído, você já esteve melhor, pode acreditar.

E foi aí que você me conheceu.

“O que-… o que aconteceu?” Você perguntou. “Onde estou?”

“Você morreu,” Eu disse, com naturalidade. Não fazia sentido conter as palavras.

“Havia um caminhão.. e ele derrapou..”

“Isso aí,” Eu disse.

“Eu.. Eu morri?”

“É. Mas não se sinta mal. Todo mundo morre,” Eu disse.

Você olhou em volta. Não havia nada. Só eu e você. “Que lugar é esse?” Você perguntou. “Isso é o paraíso?”

“Mais ou menos,” Eu disse.

“Você é Deus?” Você perguntou.

“Isso ai,” Respondi. “Eu sou Deus.”

“Meus filhos… minha mulher,” você disse.

“O que tem eles?”

“Eles ficarão bem?”

“É isso que eu gosto de ver,” Eu disse. “Você acabou de morrer e sua maior preocupação é a sua família. Isso é mesmo uma coisa boa.”

Você olhou pra mim com um certo fascínio. Pra você, eu não parecia com Deus. Eu aparentava ser um homem qualquer. Ou uma mulher. Uma figura autoritária meio vaga, talvez. Mais como um professor de português do que o Todo Poderoso.

“Não se preocupe,” Eu disse. “Eles ficarão bem. Seus filhos lembrarão de você como um pai perfeito em todos os sentidos. Eles não tiveram tempo de sentir algo ruim por você. Sua mulher vai chorar, mas vai ficar secretamente aliviada. Pra ser sincero, seu casamento estava desmoronando. Se serve como consolo, ela vai se sentir muito culpada por se sentir aliviada.”

“Ah..”Você disse. “Então o que acontece agora? Eu vou para o Céu, pro Inferno ou alguma coisa do tipo?”

“Nenhum dos dois” Eu disse. “Você vai reencarnar.”

“Ah,” você disse. “Então os Hindus estavam certos,”

“Todas as religiões estão certas de alguma forma,” Eu disse. “Venha comigo.”

Você me seguiu enquanto caminhávamos pelo vazio. “Aonde estamos indo?”

“A lugar nenhum específico,” Eu disse. “Só gosto de andar enquanto conversamos.”

“Então que sentido isso faz?” Você perguntou. “Quando renascer, eu vou esquecer tudo, não é?” Um bebê. Então todas as minhas experiências e tudo que fiz nessa vida não significaram nada.”

“Não é por aí!” Eu disse. “Você tem dentro de você todo o conhecimento e experiências de todas as suas vidas passadas. Você só não lembra dessas coisas agora.”

Eu parei de andar e coloquei as mãos em seus ombros. “Sua alma é mais magnífica, linda e gigantesca do que você possa imaginar. Sua mente humana pode apenas entender uma pequena fração do que você é. É como colocar o seu dedo em um copo de vidro e ver se está quente ou frio. Você coloca uma pequena parte de você em jogo, e quando tira, você percebe que aprendeu tudo que podia por lá.

Você foi um humano nos últimos 48 anos, então ainda não deu tempo de você perceber o resto da sua imensa consciência. Se nós ficarmos aqui por muito tempo, você começará a lembrar de tudo. Mas não faz sentido fazer isso entre cada vida.”

“Quantas vezes eu já reencarnei, então?”

“Ah, muitas. Muitas e muitas. E em muitas vidas diferentes.” Eu disse. “Dessa vez, você será uma camponesa chinesa no ano 540 D.C.”

“Es-espera aí, como?” Você gaguejou. “Você está me mandando de volta no tempo?”

“Bem, tecnicamente. Tempo, da forma como você conhece, só existe no seu universo. As coisas funcionam de outro jeito de onde eu venho.”

“De onde você vem?” Você disse.

“Ah claro, ” Eu expliquei “Eu venho de algum lugar. Um lugar diferente. tem outros como eu. Eu sei que você quer saber como é lá, mas honestamente, você não iria entender.”

“Ah,” Você disse, um pouco desanimado. “Mas espera. Se eu reencarno em diferentes lugares no tempo, eu poderia ter interagido comigo mesmo alguma vez.”

“Claro. Acontece o tempo todo. E já que as duas pessoas tem apenas consciência da sua própria vivência, você nunca sabe que está acontecendo.”

“Então, qual é o sentido?”

“Tá falando sério?” Perguntei. “Sério? Você está me perguntando o sentido da vida? Isso não meio clichê?”

“Bem, é uma pergunta plausível,” Você persistiu.

“Eu te olhei nos olhos. “O sentido da vida, motivo pelo qual eu criei todo o seu universo, é para que você amadureça.”

“Você tá falando da humanidade? Você quer que nós amadureçamos?”

“Não, somente você. Eu fiz todo esse universo para você. Para que em cada nova vida você cresça, amadureça e se torne um intelecto maior.”

“Só eu? E as outras pessoas?”

“Não há mais ninguém,” Eu disse. “Nesse universo, só existe você e eu.”

Você me olhou com um olhar vazio. “Mas e todas as pessoas da Terra…”

“Todos são você. Diferentes encarnações de você.”

“Que? Eu sou todo mundo?”

“Agora você está entendendo, “Eu disse, te dando uma tapinha nas costas.

“Eu sou todo ser humano que já viveu?”

“Ou quem irá nascer, sim.”

“Eu sou Abraham Lincoln?”

“E você é John Wilkes Booth, também, ” Completei.

“Eu sou Hitler?” Você disse, horrorizado.

“E também é os milhões que ele matou.”

“Eu sou Jesus?”

“E também é todos que o seguiram.”

Você ficou em silêncio.

“Toda vez que você enganou alguém, ” Eu disse, “você estava enganando a si mesmo. Cada ato de bondade que você teve, foi feito para consigo mesmo. Cada momento feliz e triste que você teve com qualquer pessoa foi, e será, aproveitado com você.”

Você ficou pensando por um longo tempo.

“Por quê?” Você me perguntou. “Por que fazer tudo isso?”

“Porque algum dia, você será como eu. Porque é isso que você é. Você é um dos meus. Você é meu filho.”

“Nossa,” você disse, incrédulo. “Quer dizer que sou um Deus?”

“Não, ainda não. Você é um feto. Você ainda está crescendo. Quando tiver vivido todas as vidas humanas em todas as eras, você terá crescido o suficiente para nascer.”

“Então todo o universo,” você disse, “é somente…”

“Um ovo.” Respondi. “Agora é hora de você ir para sua próxima vida.”

E eu enviei você de volta.

Autor: Andy Weir

Tradução: Carlos Buosi

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