“O mundo está pior”. Eu tenho notado essa frase nos comentários de pessoas em notícias pelo Facebook. Amplie um pouco mais essa observação e você verá que o fatalismo de que estamos vivendo os piores tempos é real, pelo menos a sensação é.
Inquieta com essa ideia, felizmente acabei me deparando com a palestra do psicólogo e linguista Steven Pinker. Ele partiu de uma análise de dados globais recentes sobre homicídio, guerra, pobreza extrema, poluição, fome, armas nucleares, entre outros tópicos, e chegou à seguinte conclusão: estamos muito melhores do que há 30 anos.
Para você ter uma ideia:
Em 2017: Haviam 12 guerras em andamento; 60 autocracias; 10% da população mundial em extrema pobreza; 10 mil armas nucleares.
Há 30 anos: 23 guerras; 85 autocracias; 37% da população mundial em pobreza extrema; mais de 60 mil armas nucleares.
Pinker explica que o progresso não significa um mundo melhor para todos o tempo todo, mas sim uma solução para os problemas. Os temas urgentes como mudanças climáticas e armas nucleares podem ser vistos como problemas a serem resolvidos, e não apocalipses iminentes. No entanto, solucionar um problema significa constatar outro, e assim por diante.
“Nunca teremos um mundo perfeito, e seria perigoso buscar um.”, explica.
Então, por que temos a sensação de que o mundo está pior do que nunca?
Com o acesso à informação instantânea nas pequenas telas que não saem de nossas mãos, somos bombardeados constantemente com o fluxo frenético de notícias que trazem medo e ansiedade. Tiroteios. Poluição. Desigualdade. Tirania. Crise Política. Danos ambientais. Pobreza.
Tais notícias despertam o saudosismo nas pessoas, fazendo com que olhem para o passado como se ele realmente fosse mais seguro, mais limpo e mais justo. Mas não é bem assim.
Para contestar tal ideia, Pinker buscou traçar o aspecto da trajetória do mundo medindo o bem-estar ao longo do tempo, usando um parâmetro constante. Dessa forma, dados globais atuais foram comparados com os de 30 anos atrás.
Sustentando que o progresso não é uma questão de fé ou otimismo, mas uma hipótese que pode ser testada, Pinker analisou hipóteses de progresso em tópicos que constituem o bem-estar, e podem ser medidas: Vida. Saúde. Sustento. Prosperidade. Paz. Liberdade. Segurança. Conhecimento. Lazer. Felicidade.
Os resultados são tão diferentes do que imaginamos, que é curioso perceber como estamos envoltos em uma grande redoma de ilusão gerada pelo que eu gosto de chamar de pessimismo interconectado. Como no Mito da Caverna de Platão, em que só enxergamos as sombras da realidade.
Por que não percebemos o progresso?
A questão central está em como os índices são tratados nos noticiários. Partindo da natureza do jornalismo, as notícias são fatos instantâneos que acabaram de acontecer ou estão em curso, e não de fatos que não aconteceram. Então, é pouco provável que um repórter transmita ao vivo de um país em paz há 40 anos.
“Coisas ruins acontecem rapidamente, mas coisas boas não são construídas em um dia”, diz Pinker.
Uma tabulação de palavras e emoções positivas e negativas nas reportagens indica que, durante as últimas décadas em que a humanidade se tornou mais saudável, mais rica, mais sábia, segura e feliz, os noticiários mundiais se tornaram cada vez mais melancólicos.
Os jornais poderiam ter exposto a manchete “Ontem, 137 mil pessoas saíram da extrema pobreza” todos os dias, pelos últimos 25 anos. Isso significa 1,25 bilhão de pessoas saindo da pobreza extrema, mas nós nunca lemos sobre esse fato.
Ao contrário, as notícias capitalizam nosso interesse mórbido em assuntos ruins por meio de uma programação sensacionalista de tragédias e afins.
Adicione isso ao nosso atalho mental chamado “heurística da disponibilidade”, um fenômeno psicológico no qual as pessoas predizem a frequência de um evento com base no quão fácil conseguem se lembrar de um exemplo, e você terá a avassaladora onda de mal-estar contemporânea.
Assista à palestra de Pinker no TED clicando no player abaixo e confira todos os dados que ele comparou – e se surpreenda. Eu espero que esse vídeo mude sua percepção sobre o mundo para melhor.
Separei a conclusão final porque nos é bem vinda como um lembrete para quando as coisas parecem tão ruins.
“Nascemos em um mundo impiedoso, encarando chances adversas contra a ordem da vida e em risco constante de desmoronar. Fomos moldados por um processo cruelmente competitivo. Somos feitos de vigas tortas, vulneráveis à ilusão, centrados em nós mesmos e, às vezes, de uma estupidez impressionante.
Ainda assim a natureza humana tem sido abençoada por recursos que abrem espaço para uma espécie de redenção. Somos dotados do poder de combinar ideias recursivamente, de pensar sobre nossos pensamentos. Temos o instinto da linguagem, que nos permite compartilhar os frutos de nossa ingenuidade e experiência. Somos aprofundados pela capacidade de ter simpatia, pela pena, imaginação, compaixão, comiseração.
Esses talentos encontraram formas de intensificar seu próprio poder. O escopo da linguagem foi ampliado pela palavra escrita, impressa e digital. Nosso círculo de simpatia tem se expandido pela história, jornalismo e narrativas visuais. E nossas débeis capacidades foram multiplicadas pelas normas e instituições da razão: curiosidade intelectual, debate aberto, ceticismo da autoridade e dogma e pelo ônus de provas para verificar ideias confrontando-as com a realidade.
À medida que a espiral da melhoria recursiva ganha ímpeto, nós colecionamos vitórias contra as forças que nos desencorajam, notadamente as partes mais obscuras da nossa natureza. Penetramos os mistérios do cosmos, inclusive a vida e a mente. Vivemos mais, sofremos menos, aprendemos mais, nos tornamos mais inteligentes e desfrutamos mais de pequenos prazeres e experiências enriquecedoras. Poucos de nós são mortos, assaltados, escravizados, explorados ou oprimido por outros. A partir de poucos oásis, crescem os territórios com paz e prosperidade, e um dia podem abarcar o mundo.
Restam muito sofrimento e perigos enormes, mas foram enunciadas ideias sobre como reduzi-los, e ainda existem infinitas outras para serem concebidas. Nunca teremos um mundo perfeito, e seria perigoso buscar um. Mas não há limite para as melhorias que podemos alcançar se continuarmos a aplicar o conhecimento para aprimorar o desenvolvimento humano.
Essa histórica heroica não é só mais um mito. Mitos são ficção, mas essa é verdadeira. Verdadeira até onde sabemos, que é a única verdade que podemos ter. Conforme aprendemos mais, podemos mostrar quais partes da história permanecem verdadeiras e quais são falsas, segundo qualquer uma delas pode ser e qualquer uma pode se tornar. E essa história não pertence a qualquer tribo, mas a toda a humanidade, a qualquer criatura consciente com poder da razão e o desejo de persistir em seu ser, pois requer apenas a convicção de que a vida é melhor que a morte, a saúde é melhor que a doença, a abundância é melhor que a necessidade, a liberdade é melhor que a coerção, a felicidade é melhor que o sofrimento e o conhecimento é melhor que a ignorância e a superstição”.
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