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Em Katábasis, R.F. Kuang leva leitores ao inferno em sua nova dark academia

R.F. Kuang está de volta para arrastar seus leitores às profundezas do Inferno. Literalmente. A aclamada autora de A Guerra da Papoula e Babel apresenta Katábasis, sua mais nova incursão no gênero dark academia que promete ser tão visceral e provocativa quanto suas obras anteriores. Publicado pela Editora Intrínseca e traduzido por Marina Vargas, o livro chega ao Brasil em setembro, apenas uma semana após seu lançamento internacional.

Katábasis nos apresenta Alice Law, uma doutoranda obcecada em se tornar uma das mentes mais brilhantes da magia analítica. Após sacrificar orgulho, vida amorosa e até mesmo a sanidade, ela consegue trabalhar ao lado do professor Jacob Grimes em Cambridge, até que um experimento mágico dá terrivelmente errado. Quando Grimes morre e vai parar no Inferno, Alice se vê forçada a embarcar em uma jornada desesperada para salvá-lo, acompanhada por seu maior rival acadêmico, Peter Murdoch.

Katábasis

O conceito de katábasis, termo grego que descreve uma jornada ao submundo, encontra aqui sua expressão mais contemporânea. Armados apenas com um punhado de giz para traçar pentagramas mágicos e os registros de Dante e Orfeu, os dois protagonistas enfrentam um Inferno que desafia tanto a literatura clássica quanto suas próprias convicções.

Dark Academia em sua forma mais sombria

O livro de Kuang se destaca no saturado mercado de dark academia ao ir além da mera estética gótica universitária. Enquanto obras como A História Secreta de Donna Tartt estabeleceram o gênero com sociedades secretas e corrupção moral, e Babel da própria Kuang explorou colonialismo através da linguística, Katábasis mergulha na estrutura acadêmica como um reflexo dos círculos infernais da academia.

Katábasis

A abordagem de Kuang é particularmente afiada ao examinar misoginia e estruturas de poder no ambiente universitário. A rivalidade entre Alice e Peter não é apenas acadêmica, ela reflete dinâmicas de gênero e competição que permeiam a vida universitária real, transformando a jornada literal ao Inferno em uma metáfora para a experiência de muitas mulheres na academia.

A estrutura narrativa de Katábasis ecoa elementos presentes em mangás de dark fantasy que exploraram o submundo com maestria. Hell Girl, por exemplo, construiu uma mitologia complexa sobre vingança e redenção através da figura de Ai Enma, que realiza a travessia de almas para o Inferno através de contratos sombrios.

Katábasis

Similarmente, Berserk, de Kentaro Miura, estabeleceu padrões para narrativas que exploram a fronteira entre humanidade e monstruosidade. O mangá de Miura, considerado uma obra-prima do dark fantasy, apresenta um mundo em que pessoas são injustamente mortas por seres sobrenaturais, ecoando a atmosfera que Kuang cultiva em seu Inferno literário.

Katábasis

Hell’s Paradise, de Yuji Kaku, apresenta paralelos impressionantes com Katábasis, pois em ambas as obras centram suas narrativas em uma jornada até o Inferno, literalmente no caso de Kuang e metaforicamente através da ilha de Shinsenkyo no mangá de Kaku.

Katábasis

Chainsaw Man, de Tatsuki Fujimoto, oferece uma perspectiva única sobre a narrativa infernal ao ambientar seus demônios no mundo contemporâneo. O mangá segue Denji, um jovem que faz um contrato que funde seu corpo com o de Pochita, o Demônio da Serra Elétrica, semelhante a um cachorro, estabelecendo uma dinâmica de poder que ecoa os contratos acadêmicos faustiano de Katábasis.

Katábasis

Tokyo Ghoul, de Sui Ishida, constrói sua dark fantasy através da transformação forçada de Ken Kaneki em um meio-ghoul após um encontro, que o força a consumir carne humana para sobreviver. Esta transformação espelha a jornada de Alice em Katábasis, em que sua imersão na academia mágica a transforma em algo que não reconhece mais.

Katábasis

Akame ga Kill!, de Takahiro, oferece uma crítica sistemática das estruturas de poder através de seu grupo de assassinos Ataque Noturno que luta contra um Império corrupto. A obra compartilha com Katábasis uma profunda desconfiança das instituições estabelecidas, seja o Império corrupto de Akame ga Kill ou a academia elitista de Cambridge em Katábasis.

Katábasis

Pandora Hearts, de Jun Mochizuki, representa talvez o paralelo mais próximo a Katábasis. Descrito como um mangá de dark fantasy vagamente baseado em Alice no País das Maravilhas, o mangá segue Oz Vessalius em sua jornada através do Abismo, um dimensão de pesadelo habitada por entidades monstruosas conhecidas como Correntes.

A diferença crucial está na abordagem: enquanto essas obras frequentemente utilizam violência gráfica e horror visual, Katábasis constrói seu terror através da desconstrução intelectual e emocional de seus protagonistas, mantendo o estilo característico de Kuang que combina erudição com brutalidade psicológica.

A evolução de R.F. Kuang

Kuang demonstra em Katábasis a maturação estilística que a tornou uma das vozes mais respeitadas da fantasia contemporânea. Diferentemente de A Guerra da Papoula, que alguns críticos consideraram como um livro young adult com temas adultos, seu novo trabalho abraça totalmente sua identidade como literatura adulta.

Katábasis

A autora, que possui formação acadêmica em Filosofia e Literatura do Leste Asiático por Yale, traz para Katábasis sua expertise em mitologias grega e chinesa, criando um sincretismo cultural que enriquece a tradicional jornada infernal ocidental. Esta fusão de tradições representa uma evolução natural de Babel, onde ela já havia demonstrado maestria em combinar rigor acadêmico com narrativa envolvente.

O que torna Katábasis particularmente relevante é sua capacidade de usar o Inferno como alegoria para questões contemporâneas. O livro não apenas apresenta um lugar inclemente, árido e sombrio, composto por tribunais que expõem os pecados e as vicissitudes humanas, mas utiliza essa setting para examinar as estruturas de poder que governam nossa própria realidade.

A obra dialoga com o grande zeitgeist do momento que o estilo dark academia alcançou, se tornando um fenômeno cultural com 3,5 bilhões de visualizações no TikTok, mas evita a superficialidade estética que marca muitos trabalhos do gênero. Em vez de simplesmente romantizar a vida universitária, Kuang expõe suas contradições e violências sistêmicas.

Viciado em cultura japonesa, fanático por games e consumidor de ficção científica e fantasia. Designer e já foi editor do Bookeando. Nas horas vagas consegue se dividir entre as batidas do seu taikô, as viagens por uma galáxia muito distante, a eterna busca pela Triforce e as batalhas nas 12 casas do Santuário.

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