A Terra se tornou inabitável. Os humanos que sobreviveram agora vivem em Shangri-La, estação espacial localizada em Titã, uma das luas de Saturno.
A HQ do francês Mathieu Bablet é profundamente filosófica ao abordar as relações humanas e organização social em um contexto de colonização em outro planeta.
O enredo se concentra em uma colônia espacial criada pela multinacional Thianzhu, desenvolvida para recriar a um ambiente familiar à vida na Terra: moradias, trabalho e consumo.
Cientistas locais desejam reescrever o “Genesis” e criar uma vida perfeitamente adaptável às condições do planeta e envia-las à Shangri-La.
Quando o protagonista, orgulhoso pelo seu trabalho, é enviado para uma das estações para investigar explosões que ocorrem ali, descobre uma realidade totalmente diferente do que imaginou fazer parte.
São nestas pequenas rupturas com a realidade do personagem que o quadrinista Bablet introduz numa cadência sádica algumas verdades que faz a gente parar por um tempo, respirar fundo e olhar para o que está acontecendo à nossa volta.
Bablet maneja com sagacidade alguns elementos já conhecidos da ficção científica e da distopia de uma maneira muito singular. Concluindo uma obra original, que conquista seu espaço como um dos quadrinhos contemporâneos mais geniais. E indispensáveis.
O enredo transporta assuntos sociopolíticos atuais em um futuro de centenas de anos à frente, contextualizado no tema que aparece hoje nos jornais como esperança para a humanidade.
É daqueles livros que quando acaba faz a gente ficar sem palavras, em processo de digestão mental. Sensação semelhante a de ter contato com “Ensaio sobre a Cegueira”, de Saramago.
A narrativa visceral avança de uma maneira que emociona, revira o estômago, revolta e faz pensar.
Shangri-La é um arranjo harmônico que fala sobre o tempo e a criação da vida. Uma ópera visual que Bablet constrói com grandes quadros de desenhos coloridos, variando os tons conforme a história se desenvolve.
As grandes páginas preenchidas apenas com desenhos coloridos, sem diálogos, vêm para despertar emoções e traduzir a solitude da vastidão do Universo.
O enredo bebe de muitas inspirações da história, literatura e do cinema. Como os grandes telões de LED com propagandas que estimulam o consumo, relembram o clássico “They Live”, de John Carpenter.
O mal-estar é latente ao apresentar a submissão das massas quando são bem supridas, a construção de diferentes classes sociais e a manutenção de “minorias” como ferramentas de controle.
É proposital o niilismo que Bablet lança sobre o tema para que o leitor reflita e busque sozinho respostas para questões tão complexas que a história levanta.
Somos capazes de moldar um sistema que não reduza o homem à uma máquina de trabalho e consumo? Que manipule seus instintos primitivos e se utilize de seu inconsciente para mantê-lo disciplinado? Aliás, saberia o homem comandar a si próprio?
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