Os protagonistas da Corrida Espacial da década de 1950 e 1960 foram Estados Unidos e a antiga URSS, mas também haviam outros programas espaciais acontecendo naquela época, Os Afronautas faziam parte de um deles.
O Programa Espacial da Zâmbia foi administrado por um único homem: o professor de ciências do ensino fundamental Edward Makuka Nkoloso, também diretor da Academia Nacional de Ciências, Pesquisa Espacial e Filosofia da Zâmbia, fundada por ele mesmo.
Nkoloso nasceu no norte da Rodésia e recebeu uma educação missionária. Assim como muitos outros das colônias britânicas, foi convocado pelo império britânico para lutar na Segunda Guerra Mundial.
Os britânicos garantiam independência aos aliados quando a guerra acabasse, uma promessa que não foi cumprida. Vários grupos rebeldes surgiram clamando a independência de seu país, e entre eles estava Nkoloso.
Ele tinha interesses intelectuais, foi um “agitador político” e figura messiânica a favor da libertação de seu país, até que acabou sendo preso entre 1956 e 1957.
Quando solto, fundou ilegalmente sua própria academia de ciências em 1960, na qual atuava como diretor, e anunciou seu programa espacial que desafiava as duas potências dominantes da Corrida Espacial.
O professor tinha o objetivo de ultrapassar os americanos e soviéticos, e alcançar uma viagem até a Lua. Para isso, ele treinou doze astronautas de seu país, os quais foram consagrados por ele como Os Afronautas. Ainda selecionou uma mulher para ser tripulante do primeiro voo do programa, uma jovem de 16 anos chamada Matha Mwambwa.
Os treinamentos aconteciam em uma fazenda a 11 quilômetros da capital, e consistiam em exercícios diários, com rolamentos dentro de barris e simulação de gravidade zero feita em um tipo de balanço rodando em volta de uma árvore.
O lançamento do foguete D-Kalu 1, nomeado em homenagem ao primeiro presidente da Zâmbia Kenneth David Kaunda, estava marcado para 1964, ano que também celebraria a independência do país.
Enquanto isso, o professor teve uma ideia ainda mais ambiciosa: mudou o destino da viagem espacial para Marte. O objetivo era, dessa vez, enviar a jovem Mwambwa, um missionário e dois gatos treinados para evangelizar os marcianos, descritos por Nkoloso através de suas observações com um telescópio como criaturas primitivas.
Segundo ele, a intenção não era forçar o cristianismo, mas fazer com que os marcianos aceitassem Jesus por livre e espontânea vontade.
Com recursos escassos para pesquisas científicas, verbas negadas pela UNESCO e sem investidores internacionais, o Programa Espacial da Zâmbia foi, inevitavelmente, um fracasso. E o foguete, no fim, era apenas uma adaptação de um latão de óleo de 3 metros de comprimento e 2 metros de diâmetro.
Após a chegada de Neil Armstrong à Lua, em 1969, os Afronautas abandonaram o programa. Nkoloso seguiu em frente com trabalhos para órgãos do governo através de iniciativas de divulgação científica e educação.
Quando tudo acabou, o professor alegou que o projeto foi sabotado por espiões soviéticos e que americanos tentaram roubar sua tecnologia, inclusive seus gatos treinados.
Há controvérsias em torno das ideias ambiciosas e até absurdas de Nkoloso.
Alguns dizem que ele sofreu danos psicológicos severos devido às torturas sofridas pelas forças policiais quando esteve preso. Outros afirmam que o treinamento dos Afronautas mascarava intenções políticas, sendo na verdade uma formação de guerrilha.
Nkoloso também se candidatou a prefeito da capital da Zâmbia, Lusaka, com promessas de investimento em educação e ciência. A ideia era criar escolas, bibliotecas e centros de pesquisa, e transformar a cidade em uma nova Paris ou Nova York.
No entanto, ele acabou sendo derrotado por outro candidato populista.
Embora as intenções de Nkoloso sejam um mistério, seu programa espacial faz parte de um capítulo curioso da história da Corrida Espacial. Fez também um país inteiro olhar para o céu e sonhar com a esperança de explorar os mistérios do cosmos, e de alcançar sua independência.
Ele faleceu aos 70 anos, em 1989, e teve um funeral de chefe de Estado.
Hoje, ele é inclusive um ícone do Afrofuturismo. Um movimento cultural que é ponto de encontro entre a história e mitologia africanas com a tecnologia, a ciência e a ficção especulativa sobre o passado e o futuro.
O curta-metragem AFRONAUTAS integra uma expressão do movimento, criado em homenagem ao programa de Nkoloso, com roteiro e direção de Nuotama Bodomo.
Saiba mais sobre o Programa Espacial da Zâmbia com o vídeo do canal SideNote.