Stellar Blade (Shift Up, 2024) é um jogo que aborda um cenário recorrente na ficção científica: pós-apocalíptico. Nesse tipo de cenário/temática geralmente a humanidade é vista como extinta ou à beira da extinção. Os sobreviventes lutando para seguirem vivos ou para reconstruir a humidade ao que fora outrora. Stellar Blade segue essa linha… ao menos a princípio.
O começo mostra a personagem principal, controlada pelo jogador, uma humana chamada Eve (Eva) lutando contra inimigos monstruosos que atacaram a Terra. A grande mudança na trama, até então bastante clichê, ocorre quando a personagem descobre que os monstros que ela vinha enfrentando até então, chamados de Naytibas, são na verdade humanos que, através de manipulação genética, evoluíram rapidamente com o objetivo de enfrentar… os humanos!? Aí ocorre a segunda parte da descoberta da personagem, que fica sabendo que ela e seus contemporâneos não são humanos, são androides. Esses androides, chamados de Andro-Eidos, foram criados por uma Inteligência Artificial para serem uma “segunda geração de humanos”.
Então nós temos nesse cenário: nenhum humano ou dois grupos de humanos? A especiação é um dos processos centrais na evolução biológica. É um processo que ocorre de forma contínua ao logo do tempo. Com o passar do tempo certas populações dentro de uma espécie vão adquirir tantas características distintas, que vão acabar se tornando outra espécie, gradualmente. Sendo assim, quando humanos deixariam de ser humanos? Para responder essa pergunta, talvez fosse bom antes ver a questão retroativamente: quando humanos se tornaram humanos?
Coloquialmente, quando nos referimos a humanos estamos nos referindo à espécie Homo sapiens, nossa espécie. Mas biologicamente, no passado nossa espécie já foi acompanhada por várias outras espécies do gênero Homo. Todas elas são biologicamente consideradas humanas. Isso porque há uma variedade de características que nos torna humanos, e compartilhávamos com as outras espécies do gênero Homo, hoje extintas.
Stellar Blade aborda a especiação (intencionalmente ou não) inserindo uma variável cada vez mais presente em nossas vidas: a Inteligência Artificial. Cientificamente, o termo Inteligência Artificial surge em 1943, quando Warren McCulloch e Walter Pitts apresentaram seu modelo de neurônios artificiais. Mas já em 1936, Alan Turing cria o dispositivo “Máquina de Turing” capaz de executar processos cognitivos. Na ficção científica podemos dizer que o termo surge com o “pai da robótica”, Isaac Asimov em sua obra “Eu, Robô”, de 1950.
Falando em Isaac Asimov, é importante para nossa reflexão aqui abordar outra de suas obras: “O Homem Bicentenário”, de 1976. Nessa obra vemos também um processo de especiação, onde o personagem principal, um robô, vai gradualmente se “humanizando” ao substituir suas partes mecânicas por órgãos humanos.
Voltamos então a pergunta feita anteriormente: em Stellar Blade, nós temos nenhum humano ou dois grupos de humanos? Tudo depende de como vamos abordar a questão. Biologicamente poderíamos dizer que ocorreu um processo de especiação a partir do Homo sapiens, gerando duas novas espécies dentro do gênero Homo. Culturalmente, poderíamos dizer que não existem mais humanos, dado que houve uma ruptura cultural grande demais com a cultura humana existente originalmente.
Fica no fim o questionamento: o que nos torna humanos?
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