Sempre que um novo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen é anunciado, é de se ficar na expectativa. The Ballad of Buster Scruggs , que acaba de estrear na Netflix, é uma produção primorosa e digna dos irmãos, que, como sempre, abordam a comédia e tragédia humana sob aquele ponto de vista ácido.
Dessa vez, no Velho Oeste.
É característico de seus filmes explorar os instintos obscuros e atos vis do seres humanos, que desdobram acontecimentos que seguem em direção ao caos. Como se os personagens experimentassem um ciclo karmático, onde tudo retornar à eles, engolidos pelo caos que eles próprios criaram.
A morte, que chega subtamente e acaba com todos os esforços dos personagens, é outro prisma lançado pelos irmãos, que insistem em lembrar o público do quão frágil somos.
Fragilidade tão evidente no Velho Oeste, um cenário hostil onde tudo pode acabar a qualquer momento e a luta pela sobrevivência perdura. Mas tão distante de nossos tempos?
O egoísmo e decadência humana não têm época, tampouco a finitude das coisas, e por isso são temas atemporais, sempre conectados à atualidade de maneira sagaz pelos Coen.
Em The Ballad of Buster Scruggs, é explorado principalmente a força da aleatoriedade. São narrados seis contos que compõem um livro, no qual cada capítulo explora um tema e transita entre emoções diferentes.
The Ballad of Buster Scruggs
A primeira história, em tom de musical, apresenta o protagonista que leva o nome do título, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson).
Scruggs entra em cena cantarolando em seu cavalo enquanto passa por um vale e o eco das montanhas reverberam como backing vocal.
O carisma do personagem é contrastado pela sua fama de misantrópico. Ao mesmo tempo que canta, dança e alegra o público, ele é rápido no gatilho e impiedoso em matar seus oponentes.
Um cara tranquilo e boa gente, até que alguém cruze seu caminho.
A figura sorridente e bem-humorada soa quase como sádica ao matar seus inimigos no puro bom humor.
Scruggs finaliza a história deixando o público na vontade de ter sido um longa dedicado somente a ele.
Near Algodones
O segundo conto, breve e conciso, estrela James Franco como um fora-da-lei que deseja roubar um banco, mas bebe da má sorte.
Franco encaixa perfeitamente no papel que ilustra a ironia e insanidade do sistema judiciário da época.
Meal Ticket
Nesse capítulo sentimos uma mudança bruta no tom do filme.
Acompanhamos um artista (Harry Melling) e seu empresário (Liam Neeson) em viagens pelas cidades, onde levam um espetáculo teatral ao público.
A melancolia do conto invade o espectador ao mostrar um artista talentoso e totalmente dependente pela sua falta de braços e pernas. Massacrado pela monotonia de realizar a mesma performance todos os dias.
Sua paixão pelo que faz se reduz a cada nova apresentação, assim como seu público.
Carregado como uma mochila pelo empresário, que o despersonifica e o trata como um objeto.
Aqui, uma crítica ao esquecimento e desvalorização da arte.
A conclusão da história é dura e melancólica, deixando uma boa dose de reflexão sobre como o débil pode substituir a arte – mas não por muito tempo.
All Gold Canyon
A belíssima vegetação do Grand Cânion é rasgada pelo canto rouco e potente de Tom Waits. O uivo do lobo senil e solitário.
O cantor interpreta um mineirador que vive em plena harmonia com a natureza.
Conhecemos um personagem obcecado em encontrar um bolsão de ouro. Que cava incessantamente dia e noite na beira do rio na ânsia de encontrá-lo.
Em tom de anedota, vê-se que nesse mundo hostil, a ambição pode nos levar a cavar nossa própria cova.
The Gall Who Got Rattled
Não podia faltar um romance. Representado no capítulo que narra um amor nada convencional.
Sem clichês e cru tal qual a realidade, o conto ilustra o longo caminho que se percorre em busca do amor, que pode acabar num instante quando finalmente o encontramos.
Billy Knapp (Bill Heck) e Alice Longabaugh (Zoe Kazan) se aproximam aos poucos durante uma longa viagem, e encontram um no outro o mais próximo que pode existir do carinho e sentimento genuíno.
Mortal Remains
O capítulo que finaliza o longa apresenta um grupo de cinco pessoas desconhecidas que viajam em uma carruagem e precisam conviver com crenças e ideias distintas uns dos outros. Entrando em cômico conflito.
A história ganha tons sombrios dignos de filme de terror, quando o sol lentamente se põe e dois personagens, que estão levando um corpo até a cidade, contam como é o trabalho de buscar alguém para a morte.
Todos acabam hospedados no mesmo hotel.
Aqui, fica como conclusão a mensagem que os irmãos passam não apenas em The Ballad of Buster Scruggs, mas em todas suas produções.
Se somos resultado da aleatoriedade, não estamos condenados a vivê-la até o fim?
Individualidade. Egoísmo. Ganância. Desespero. Diferenças. Opiniões. Preconceitos. Amores.
São parte do caminho frenético que percorremos em busca de algo que nos afaste da morte.
No entanto, morremos. Inevitavelmente. Inesperadamente.
A morte vem para nos lembrar que nessa hora somos a mesma coisinha de existência tão efêmera quanto frágil.
E não existe nada mais cômico que isso.
Principalmente se ousarmos ver o mundo com os olhos dos irmãos Coen.