A nova série da Netflix, The Haunting of the Hill House, foi lançada recentemente e veio para ser a nova sensação do streaming.
Apesar de nos prender por toda a narrativa com mistérios e tramas, infelizmente decepciona (e muito) no último capítulo.
Baseada no romance gótico de 1959 de mesmo nome, da escritora Shirley Jackson, a série foi dirigida por Mike Flanagan (O Jogo Perigoso, Hush, Doctor Sleep).
A história se concentra em torno de uma família de sete pessoas, que viveram na casa Hill e hoje, adultos, enfrentam as sequelas dos traumas de eventos que os assombraram lá.
Flanagan, ao criar livremente uma história baseada no livro, foi capaz de conduzir uma série de terror sem se apoiar nos “jump scares”, que apresentam cenas de sustos tão clichês que a gente nem leva a sério depois de um tempo.
O diretor segue a mesma linha de suas outras produções, e aposta em um enredo apoiado puramente no psicológico dos personagens e na metáfora em torno dos medos.
Cada personagem tem um episódio destinado à sua história, mostrando suas perturbações na residência e as consequências que formaram a personalidade de cada um deles e que ainda assombram seus cotidianos e relações pessoais.
Assombrados pelo passado
Ao revisitar o passado, a série apresenta uma família perfeita.
Os pais são tão equilibrados e lidam tão bem com as situações, que chegam a parecer irreais.
Avançando os episódios, tudo caminha para o caos, desabando toda a estrutura familiar e a sanidade dos moradores da casa Hill.
Nesse sentido, a série avança em um ritmo muito magnetizante, que surpreende, instiga e confunde o espectador.
Muitas metáforas são lançadas acerca das assombrações que pertubram os moradores e da vida pessoal de cada personagem.
Nada é entregue de bandeija ao espectador. É preciso decifrar os mínimos detalhes metafóricos.
Fazem com que a gente fique até os últimos episódios em dúvida: as visões de fantasmas são causadas por doenças psicológicas, herdadas da própria mãe, ou são fruto de assombrações que vivem na casa?
O jovem Steven, um escritor de livros de horror, é o personagem central que introduz essa dúvida, fazendo com que até o espectador cético, que não gosta do tema sobrenatural, assista tudo até o final.
Steven acredita que se trata de um gene doente, do qual ele também compartilha e recusa a série inteira.
Através da atmosfera sinistra, abordando o fantasmagórico e a insanidade, a série relembra clássicos como “O Iluminado” e “Rose Red”, ambos baseados em livros de Stephen King.
Aviso: A partir daqui, o texto contém spoilers.
Metáforas e a abertura de um leque de complexidades
Há muitos elementos que intrigam e criam ramificações complexas e misteriosas para a história e para os personagens.
Um exemplo disso é o episódio sobre Nell, a irmã mais nova e a mais perturbada, que adulta ainda é atormentada pela visão da “Mulher do Pescoço Torto”.
A história revela o fantasma que a atormenta como ela mesma, caindo em diversas cenas em que a aparição surgiu na vida dela.
Aqui, a série lança a possibilidade de uma viagem no tempo. Ou um vislumbre para vários universos.
Ainda acerca da personagem Nell, é lançada uma metáfora interessante sobre a depressão.
Na noite da tempestade, a pequena Nell desparece, e reaparece no salão da casa chorando e dizendo que estava ali gritando, mas que ninguém a via ou ouvia.
O que faz uma analogia à fase adulta, quando ela ,doente, buscou ajuda dos irmãos, mas foi ignorada, levando ao seu suicídio na casa.
Outra abordagem interessante são os medos e anseios de uma mãe tão comum como outra qualquer: a vontade de manter a infância dos filhos, o medo de que o mundo roube a inocência deles, de que eles deixem o ‘ninho’.
Tudo isso levado ao extremo, tanto que a mãe prefere envenena-los, para mantê-los pequenos e unidos eternamente.
Essa é uma chave central para desvendar tanto porquê Nell retornou à residência para se suicidar, quanto porquê os irmãos se sentem estagnados e não se livram do passado.
Quando Nell retorna à casa, a luz da varanda pisca duas vezes: sinal que a mãe fazia para que eles voltassem para o lar. Os irmãos então parecem ser assombrados constantemente para retornarem ali também.
Dessa forma, a série traça uma analogia a um evento mal resolvido do passado que assombra nossa mente, e faz com que retornemos ali, inevitavelmente.
Todas essas possibilidades e profundidade oferecidos pela série, faz com que a gente crie expectativas, é claro.
O final que estraga tudo
Por isso, o final é muito… brochante. Não há outra palavra que defina.
Depois de tantas ramificações, mistérios, possibilidades criadas de forma perspicaz e inteligente, a produção cai na mesmice.
É brochante ver uma série com tanto potencial, com atmosfera tensa e sinistra, com eventos tenebrosos e que explora a insanidade, reduza todo o enredo a uma conclusão tão simplória e crua.
Uma música romântica que embala frases motivacionais do personagem mais cético e uma chuva de clichês que Flanagan recusou durante a série toda, caem como um grande balde de água fria na conclusão da história.
É um misto de vergonha alheia com uma sensação de “perdi horas para a série me dar só isso”.
Mais do mesmo. A única diferença é que é contado de um jeito mais interessante.
Foi confirmada a segunda temporada, que talvez vá explicar algumas teorias abertas ali e que não foram concluídas. Talvez não seja só isso.
Mas o medo mesmo está em continuar.