As referências de sitcoms em WandaVision são muito mais que meras alusões à evolução dos moldes de seriados de TV ao longo das décadas. A primeira série estrelada por personagens dos Vingadores traz diversos easter eggs relacionados ao Universo Marvel, e também à história da TV.
*Alerta de Spoiler
Os modelos narrativos e visuais de cada episódio estão interligados com a realidade de Wanda Maximoff e Visão em Westview. No fim, as escolhas de referências não são aleatórias, estão diretamente relacionadas ao processo de luto de Wanda. Então, se você deixou passar algum detalhe, abaixo você confere vários deles.
As referências de sitcoms em WandaVision explicadas
1950: Moldes inalcançáveis de perfeição
O primeiro capítulo que apresenta a realidade perfeita de Westview é uma homenagem à comédias dos anos 1950 e 1960, que tinham tom mais teatral e casais amáveis, apaixonados e perfeitos. Tudo isso, é claro, em preto e branco.
Esse modelo serve para nos lembrar o quão puro é o amor de Wanda e Visão, e porque a morte dele é tão trágico para ela.
Durante a década, as sitcoms apresentavam ideais inalcançáveis de perfeição. Wanda e Visão vão tentar, de todas as formas, se encaixar nesse ideal e fazer o possível para demonstrar normalidade dentro desse molde de vida suburbana da década de 1950.
Até por isso, o humor gira em torno do ridículo, mostrando uma bruxa e um androide tentando se misturar nesse estilo de vida. O que, na verdade, seria impossível de qualquer um, humano ou herói, conseguir de fato se encaixar.
O enredo também é centrado em datas importantes esquecidas e funcionários tentando impressionar seus chefes recebendo eles para o jantar. Temas muito comuns em praticamente toda a história do formato sitcom. De “I Love Lucy” (1964 – 1972) até “A Feiticeira” (1964 – 1972) e “Family Matters” (1989 – 1998).
A câmera muda drasticamente quando o chefe de Visão engasga durante o jantar, em uma dinâmica de tensão e suspense, focando principalmente nos rostos dos personagens.
Isso faz uma referência clara à série homônima de ficção científica “The Twilight Zone” (1959 – 1964). A sensação de que há algo muito estranho na realidade apresentada é a principal característica da série.
É exatamente isso que a cena do jantar em WandaVision transmite.
Mais tarde, vemos em um flashback de Wanda criança assistindo a um episódio da sitcom “The Dick Van Dyke Show” (1961 – 1966), onde o personagem Rob Petrie sonha com uma invasão alienígena, transformando o tom da comédia em um pesadelo de ficção científica.
Isso explica porque Wanda quis recriar o primeiro episódio da série com as referências de “The Dick Van Dyke”, já que isso remete a um tempo anterior a sua primeira grande perda, quando seus pais estavam vivos e ela se sentia completa.
1960: Libertação, poder e controle
Aqui temos uma clara referência a série “A Feiticeira” (1964 – 1972). Desde a animação de abertura até a construção do enredo. Assim como na sitcom, a comédia deste episódio está na dificuldade do casal em manter seus poderes ocultos das pessoas normais.
Enquanto Visão passa por situações constrangedoras durante o show de mágica, Wanda usa seu poder e charme para segurar as pontas.
O relacionamento doce do casal apresentado no primeiro capítulo agora é contrastado com dinâmicas complicadas de poder.
Semelhante ao que ocorre em “A Feiticeira”, onde a esposa de um homem comum é incrivelmente poderosa, fazendo com que ele se sinta intimidado.
Quando Visão tranca Wanda no armário de mágica, isso faz uma alusão ao senso de controle masculino predominante nas relações em sitcoms da década.
Como em “I Dream With Jeannie” (1965 – 1970), que apresenta a relação de uma gênia e um homem comum que vive trancando a esposa em uma lâmpada para ter controle sobre ela.
Aqui também há outra referência a “The Dick Van Dyke Show”, mas agora focando na personagem Laura Petrie, a primeira mãe de família de uma sitcom a usar calças em vez de vestidos. Isso explica porque Wanda se veste de forma diferente das outras mulheres e recebe elogios de Geraldine.
E, se você ficou se perguntando porque na hora de dormir Wanda e Visão aparecem em camas separadas e ela usa seu poder para uni-las, é porque foi a partir das sitcoms dos anos 1960 que casais começaram a aparecer compartilhando suas camas.
Os objetos coloridos que se contrastam com o filtro preto e branco do episódio fazem referência ao filme “Pleasantville” (1998), que apresentava uma sitcom dos anos 50 monocromática ganhando cores gradualmente, à medida que os personagens descobriam mais sobre a realidade e se tornavam mais vívidos.
Mas ao contrário do filme, a cor traz sensações de ameaça e terror à Wanda. Isso porque representam o mundo exterior do qual ela quer proteger sua realidade alternativa com Visão.
O vermelho também é a primeira cor que aparece no filme preto e branco “O Doador de Memórias” (2014). Nessa distopia, uma comunidade aparentemente ideal, sem doenças ou guerras e onde todo mundo é feliz esconde uma realidade sombria.
1970: Fingindo que está tudo bem
Agora em cores, o episódio apresenta uma sequência de abertura alegre como a de “The Brady Bunch” (1969 – 1974), enquanto as letras são as mesmas de “The Mary Tyler Moore Show” (1970 – 1977).
O tom vívido e alegre lembra Mork & Mindy (1978) e Happy Days (1974 – 1984), essa última trazia uma premissa mais alegre e inocente aos anos 1950, década em que é ambientada.
“Mork & Mindy” foi a estreia de Robin Williams na televisão, que interpretava um alienígena tentando se adequar ao estilo de vida humano e esconder sua verdadeira identidade. Oi, Visão.
É interessante reparar como as sitcoms da década passavam a impressão de que não tinha nada de errado com o mundo, quando na verdade a Guerra do Vietnã acontecia e conflitos a favor da justiça social implodiam nos EUA.
Isso representa como a fantasia que Wanda criou é cheia de negação em relação à realidade que está fora de Westview.
No episódio, Visão troca as fraldas de uma boneca exatamente igual a que a personagem Cindy ganha em um episódio de “The Brady Brunch”. O mesmo ao qual Wanda aparece assistindo em um flashback, mostrando como ela se apegou ideal de “felicidade falsa” após sua família ser dizimada.
1980: Sentimentalismo, laços familiares e lições de vida
Sentimentalismo, laços de família e lições de vida são temas muito explorados em sitcoms da década. Os personagens tinham que passar por alguma situação ruim para aprender uma grande lição. Assim, eles também se tornavam mais unidos.
Algo que acontece quando o cão da família morre, e Wanda tem que explicar para os gêmeos Tommy e Billy como não podemos evitar as partes difíceis da vida, como por exemplo, reverter a morte.
É assim que ela aprece estar cada vez mais consciente do que está fazendo.
Em contraste com o casal perfeito do primeiro episódio, neste vemos mais conflitos entre o casal. Algo que reflete a evolução dos casais apresentados nas sitcoms ao longo das décadas, que se aproximaram cada vez mais dos relacionamentos reais.
A sequência de abertura combina as mesmas de “Family Ties” (1982 – 1989), “Growing Pains” (1985 – 1992) e “Full House” (1987 – 1995), série em que Elizabeth Olsen, atriz que interpreta Wanda Maximoff, fez sua primeira aparição na TV.
O diretor de WandaVision, Matt Shakman também foi ator em sitcoms dessa era, como “The Facts of Life” (1979 – 1988) e “Just the Ten of Us” (1988).
1990 – 2000: Cada vez mais difícil controlar a fantasia
Nessa época, as famílias se tornaram menos idealizadas e sentimentais, sendo representadas como caóticas e repletas de conflitos. Da mesma forma, Wanda tem dificuldades em manter sua fantasia sob controle.
Pietro está de volta, e em um flashback de Wanda vemos que ela assistia à sitcom “Malcom In The Middle” (2000 – 2006) quando estava de luto pela morte do irmão.
Não é à toa que este capítulo é apresentado com os gêmeos filmando o dia a dia da família, igual à abertura da sitcom.
Pietro, que na verdade é um truque de Agatha, aparece no papel do irmão pentelho ou do cunhado inconveniente que aparece subitamente para passar uns dias com a família. O tipo de personagem típico das sitcoms que surge para apimentar a rotina da casa.
2010: Em qual ideal a realidade de Wanda se encaixa?
O episódio avança para os moldes modernos, fazendo uma clara referência a série “Modern Family” (2009-2020). Wanda aparece conversando com a câmera, sentada em um sofá parecido com o dos Dunphy e imitando os gestos e o jeito de falar de Claire.
O conceito Mockumentary, sátiras com tons de realidade, já foi visto em várias sitcoms da década, como “The Office” (2005 – 2013) e “Parks and Recreation” (2009 – 2015). Assim como o estilo confessional, em que Wanda quebra a quarta parede ao interagir com o público.
A sequência de visuais da abertura lembra a sitcom “Happy Endings” (2011 – 2013), que tiveram episódios dirigidos pelos irmãos Joe e Anthony Russo, diretores de vários filmes da Marvel, como “Vingadores: Guerra Infinita” (2018).
O mundo de Wanda parece se desintegrar cada vez mais, e já não é mais possível encaixá-lo em nenhum ideal.
Episódio 8 e 9: O fim de um sonho
Aqui já não temos mais referências às sitcoms. A narrativa foca em um único vilão e faz várias revelações na forma de flashbacks do passado de Wanda, com o objetivo de criar um grande conflito para o episódio final.
O que nos resta, é um momento decisivo de uma família de super-heróis disfuncionais enfrentando o vilão, algo que já vimos no filme “Os Incríveis” (2014).
Nós vamos descobrir como Wanda encontrou conforto nas sitcoms durante os momentos mais dolorosos de sua vida, e como seu fascínio pelas histórias que sempre acabam bem escondem uma severa depressão.
Dessa forma, seu luto e seu poder estão interligados.
No fim, ainda existe um lado positivo no luto de Wanda: aqueles que perdemos sempre serão uma parte de nós.
A Elisabeth Olsen nunca apareceu em full house.