A série The Boys é de esquerda e milhares de pessoas só descobriram isso recentemente. Baseada nos quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson, o seriado gera cada vez mais polarização e discussão na Internet.
O cerne agora, para os desavisados, é que é uma série “woke” ou progressista, ou para falarmos de forma mais coloquial, como na boca do povo, “lacração”.
Mas o que esse pessoal não sabia, é que a história sempre teve um viés político, e sim, mais direcionado para a democracia, e para a esquerda – já que critica seriamente a ala ultra direita.
Esse é um fenômeno muito comum no mundo nerd e também na música, onde fãs descobrem ideais de esquerda em obras como Star Wars, ou até mesmo de bandas como Pink Floyd e Rage Against the Machine.
Acontece.
Bem, estamos aqui para falar de The Boys, então vamos lá.
Primeiro vamos entender:
Qual o contexto da série The Boys?
The Boys apresenta um mundo onde super-heróis, conhecidos como “supes”, são controlados por uma poderosa corporação chamada Vought International. Esses heróis são tratados como celebridades e ativos corporativos, ou produtos, mais preocupados com sua imagem pública e contratos lucrativos do que com o heroísmo genuíno.
Esse cenário serve como uma crítica mordaz ao poder desenfreado das grandes corporações e sua influência sobre a política e a sociedade.
A série expõe como essas entidades podem manipular a opinião pública, suprimir verdades inconvenientes e corromper instituições para alcançar seus objetivos. Ou seja, a máquina usa deliberadamente fake News para manter as aparências.
Capitão Pátria (Homelander), o principal “supe” (e principal vilão da série), foi inspirado em Donald Trump para ser construído. Ele representa a visão ultra nacionalista, preconceituosa, e que não dá a mínima para o povão. Os vê como vermes, como massa, como pequenas baratas que podem ser controladas e manipuladas.
Pátria tem uma escalada durante as temporadas da série, e cada vez mais fica psicopata. Até determinado momento em que não há diferença entre salvar e explodir a cabeça de pessoas. Todo mundo gosta mesmo assim. Situação semelhante que vemos nas políticas estadunidenses, por exemplo. Onde pouco de importa com vidas e direitos da humanidade, e as pessoas são facilmente manipuladas por ideias tortas e perigosas.
Heróis, meras ferramentas de propaganda política
Os super-heróis em The Boys são frequentemente utilizados como ferramentas de propaganda política. A série destaca como figuras públicas podem ser manipuladas para servir interesses políticos e como a mídia pode ser usada para moldar narrativas a favor daqueles no poder.
Por exemplo, o personagem Homelander, um símbolo de supremacia e nacionalismo extremo, é frequentemente usado para promover agendas políticas conservadoras e militaristas. Ele encarna uma figura fascista, representando os perigos do poder absoluto e do patriotismo tóxico.
Questões racionais, misoginia e minorias
A série também aborda questões de justiça social e desigualdade. Personagens como A-Train e Queen Maeve enfrentam discriminação e desafios que refletem problemas reais como racismo, homofobia e misoginia.
Esses elementos da trama são usados para destacar como as lutas individuais contra sistemas opressivos são muitas vezes ocultadas ou exploradas por aqueles no poder.
O Capitão Pátria, por exemplo, usa o seu extremo terror físico e psicológico para subjugar todos e utilizá-los como massa de manobra. E se alguma coisa vai sair bem para a imagem da empresa e dos heróis, isso deve ser feito.
Isso envolve diversos tipos de agendas, desde inserções de propagandas em todo canto, até produção de filmes – tudo mascarando a realidade e mostrando um mundo que está muito longe de ser a realidade.
Resistência, revolta e a classe trabalhadora
No coração da obra está um grupo de personagens que se opõem aos super-heróis corruptos e à corporação Vought. Liderados por Billy Butcher, o Bruto, esse grupo representa a resistência contra a tirania e a injustiça.
Ou, podemos classifica-los como a classe trabalhadora que, mesmo sem grandes poderes, decide lutar contra a opressão e a falta de escrúpulos de megacorporações, políticos e heróis que disseminam a falta de informação, violência e opressão.
Suas ações muitas vezes questionam a moralidade convencional e a eficácia dos métodos tradicionais de combate ao poder opressivo.
A série explora temas de vigilância, justiça vigilante e a complexidade moral envolvida na luta contra sistemas corrompidos.
Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência
The Boys serve como um espelho distorcido, refletindo e exagerando os problemas do mundo real, especialmente na realidade dos EUA.
A série critica a forma como figuras poderosas podem usar a mídia e a cultura popular para manipular e controlar a sociedade. Também destaca a fragilidade das instituições democráticas diante da corrupção e da ganância.
Ao fazer isso, The Boys oferece um comentário poderoso sobre o estado atual da política e da sociedade, desafiando os espectadores a refletirem sobre a verdadeira natureza do poder e da justiça.
Em resumo, utiliza o gênero de super-heróis para fazer uma análise crítica e complexa da política contemporânea, diferente de todo e qualquer produção, série ou filme de herói já lançado até hoje.
A série não apenas entretém, mas também provoca uma reflexão profunda sobre as dinâmicas de poder, a corrupção e a luta pela justiça em um mundo dominado por interesses corporativos e figuras autoritárias. Especialmente no espectro político, apesar de muita gente não ter entendido até a chegada a quarta temporada.
As críticas de quem não entendeu nada
Agora, as principais reclamações de algumas pessoas que ainda não tinham entendido que a série tem viés progressista, e não conservador:
- A série só decaiu de uma temporada para a outra, com piadas forçadas e nada relevante: Réplica: The Boys tem um senso de progressão excelente. Os personagens são muito bem construídos e a história tem uma narrativa consisa e linear.
- O francês é bissexual. Réplica: Ele sempre foi bissexual. Desde o início da série há menções de que ele teve relações com pessoas do mesmo gênero. Além disso, já até deu um selinho no Hughie.
- Lacração: Só porque inseriram uma mulher negra como a pessoa mais inteligente do mundo, agora a série é “lacração”. Réplica: Bem, agora qualquer série que inserir uma mulher negra aparentemente é lacração. Vemos diversas páginas na Internet, com milhares de seguidores, propagando essa ladainha. Infelizmente, isso se alastrou por todo canto, desde produções do cinema, séries até games.
- A HQ é mais interessante. Réplica: A única diferença da HQ é que a série foi adaptada para retratar uma realidade mais parecida com a atual. Então, mudanças ali são para se assemelharem com a realidade do mundo real, que está diferente de quando a HQ foi lançada, entre 2006 e 2012. A realidade hoje é até mais assustadora e pior do que de alguns anos atrás. E isso é aterrorizante.
- “X-Men 97 é melhor porque não tem lacração”: Réplica: Gente, X-Men foi criado justamente para combater ideais racistas, preconceitos e também de gênero. Não sei se essas pessoas perceberam, mas o reboot do X-Men intensifica ainda mais o compromisso com isso — especialmente quando insere o paralelo entre mutantes e homossexuais. Além disso, Martin Luther King é inspiração para o personagem de Charles Xavier, enquanto Malcolm X serve de inspiração para Magneto. Ou seja, não precisa esperar mais três temporadas para descobrir que os X-Men também são deliberadamente progressistas.
Sim, muita gente não entendeu nada, mas isso é fruto da nossa educação falha
Pois é. E não é exclusividade do Brasil. O mundo inteiro carece de uma educação de qualidade e que forme pensadores e pessoas críticas. Ou que, no mínimo, tenha a capacidade de interpretação.
Interpretação de texto, de imagem, de ideias. Aparentemente as coisas não deram muito certo, e até mesmo produções que desenham claramente as suas ideias, sofrem má interpretação.
Aí acontecem bizarrices, como pessoas descobrirem que obras deliberadamente progressistas todo o tempo, são vistas como tal apenas depois de anos, décadas, às vezes séculos.
Vale lembrar que até mesmo Antony Starr, o ator que interpreta o Capitão Pátria, criticou fãs que idolatram o “herói”, dizendo: “Embora ele claramente não seja um cara legal, muitas pessoas se interessaram por ele. Há pessoas por aí que realmente o idolatram. Eu vi alguns no Twitter e pensei, ‘Espere, o quê? Você não entendeu nada!”.
Realmente, essa galera não entendeu nada.
E quando entenderam que eles mesmos estavam sendo satirizados em uma série que assistiam e curtiam, ativaram o modo raiva. E aí, se tornou tempo de reclamar nas redes sociais. Deu no que deu. Agora a gente não para de ver gente choramingando e textos sobre o assunto – como este aqui.
Em tempo, Eric Krikpe, o criador do seriado, deixou um recado para os revoltados pela série ser woke: “Vá assistir alguma outra coisa.”
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