Entender o que acontece dentro da própria cabeça já é complicado, imaginar como a mente dos outros funciona é mais ainda. Por isso, muitas pessoas que têm afantasia ou até ausência de monólogo interno, passam boa parte da vida sem perceber que pensam de um jeito diferente da maioria. Só quando conversam com outras pessoas é que surge a surpresa: nem todo mundo “vê imagens” na mente.
A afantasia é uma variação neurológica relacionada à forma como o cérebro cria imagens mentais. Quando alguém pede para você imaginar um cavalo, por exemplo, a maior parte das pessoas realmente enxerga o animal na chamada “visão da mente”, com detalhes como a crina, o formato do corpo ou até a cor. Mas isso simplesmente não acontece com cerca de 1% a 4% da população mundial, o que representa algo entre 82 e 380 milhões de pessoas.
Segundo a Aphantasia Network, a condição é definida como a incapacidade de visualizar imagens mentais de forma voluntária. Isso significa que, ao tentar imaginar uma maçã, o rosto de alguém querido ou uma lembrança da infância, a pessoa não vê absolutamente nada. Em vez de imagens, o pensamento funciona por meio de fatos, conceitos e informações. Você sabe como é um cavalo, sabe que ele tem quatro patas, crina e cauda, mas não consegue “enxergá-lo” dentro da cabeça.
Apesar disso, a afantasia não é considerada um transtorno nem uma deficiência. É apenas uma maneira diferente de o cérebro funcionar, e não há motivo para preocupação. Há inclusive indícios de que, com treino específico, algumas pessoas conseguem melhorar a imaginação visual e a capacidade de evocação de imagens. Ainda assim, a curiosidade sobre como identificar a condição levou cientistas a buscar formas mais objetivas de diagnóstico.
Em 2022, pesquisadores da Universidade de New South Wales, em Sydney, desenvolveram um teste relativamente simples para investigar a afantasia. No primeiro estágio do estudo, eles recrutaram 42 voluntários que afirmavam ter imaginação visual. Esses participantes usaram óculos especiais que monitoravam o movimento dos olhos e o tamanho das pupilas enquanto observavam figuras claras e escuras sobre um fundo cinza. Como esperado, as pupilas se contraíam diante de estímulos claros e se dilatavam quando as imagens eram escuras, uma resposta natural do olho humano.

Na etapa seguinte, os voluntários foram convidados a apenas imaginar essas mesmas figuras, sem que elas estivessem visíveis, e a relatar o quão vívidas eram as imagens em suas mentes. O resultado chamou atenção: mesmo sem estímulo visual real, as pupilas reagiram às imagens imaginadas, dilatando ou se contraindo, às vezes com a mesma intensidade observada antes. Quanto mais vívida a imagem mental relatada, mais forte era a resposta das pupilas.
Para o professor Joel Pearson, autor principal do estudo, isso foi surpreendente. Ele explicou que o reflexo pupilar serve para regular a quantidade de luz que atinge a retina e que já se sabia que objetos imaginados poderiam provocar alterações internas no tamanho da pupila. Ainda assim, o nível dessas mudanças foi maior do que o esperado, abrindo caminho para o que ele descreve como o primeiro teste biológico e objetivo da vividez da imaginação visual.
A equipe então repetiu o experimento com 18 participantes que se identificavam como afantásicos. No contato com imagens reais, as pupilas reagiram normalmente à luz e à escuridão. No entanto, quando essas pessoas foram convidadas a imaginar as figuras, sem estímulo visual, praticamente não houve mudança no tamanho das pupilas. Isso indicou que, mesmo tentando imaginar, o cérebro delas não gerava imagens visuais capazes de provocar a resposta fisiológica observada nos demais voluntários.
De acordo com Pearson, um dos grandes problemas dos métodos anteriores era a dependência do relato subjetivo das pessoas, que nem sempre conseguem avaliar com precisão o que acontece em sua própria mente. O estudo mostrou que é possível medir a imaginação visual de forma objetiva, trazendo também a primeira evidência fisiológica clara da afantasia. Com milhões de pessoas afetadas apenas na Austrália e centenas de milhões no resto do mundo, os pesquisadores acreditam estar próximos de um teste clínico tão direto quanto um exame de sangue.
Testes adicionais ajudaram a confirmar que os participantes com afantasia estavam, de fato, se esforçando. Quando solicitados a imaginar quatro objetos ao mesmo tempo, as pupilas dessas pessoas se dilataram, um sinal conhecido de maior esforço mental. Ainda assim, o tamanho das pupilas não variava de acordo com a claridade ou escuridão dos objetos imaginados. Isso sugere que elas estavam pensando intensamente, mas não de forma visual.
Esse detalhe foi considerado crucial pela equipe. Pela primeira vez, houve evidência biológica forte de que pessoas com afantasia realmente tentam criar imagens mentais, contrariando a ideia de que simplesmente não se engajariam na tarefa. Elas apenas utilizam estratégias cognitivas diferentes, que não envolvem imagens visuais.
Ter afantasia também não significa ter uma memória pior. Estudos anteriores já mostraram que pessoas afantásicas conseguem realizar tarefas de memória visual de curto prazo com eficiência, mesmo sem recorrer a imagens mentais. Elas lembram de informações e eventos, apenas não os “veem” internamente.
No fim das contas, a pesquisa reforça algo que muitas vezes passa despercebido: a mente humana é extremamente diversa. A forma como uma pessoa lembra, imagina ou pensa não é um padrão universal. Como destacam os próprios pesquisadores, o fato de alguém visualizar ou recordar algo de um jeito específico não significa que todos façam o mesmo. Às vezes, essas diferenças só vêm à tona quando fazemos as perguntas certas ou criamos novas maneiras de observar o que acontece dentro da cabeça.
Veja mais curiosidades!