Entre a realidade e a ficção, o presídio dos famosos se transforma em ícone pop e reflete o nosso fascínio por histórias de crime e poder.

Há nomes que atravessam as grades da realidade e se instalam na imaginação coletiva. Tremembé é um deles. A simples menção à cidade do Vale do Paraíba, em São Paulo, já desperta um misto de curiosidade e medo. E não é pela paisagem pacata do interior, mas por abrigar um dos endereços mais conhecidos e comentados do sistema prisional brasileiro: a Penitenciária Doutor José Augusto César Salgado, popularmente chamada de Tremembé II. Agora, com a série Tremembé, do Prime Video, esse lugar que sempre viveu entre a manchete e o mistério se transforma em ficção ou talvez em algo ainda mais inquietante: um espelho da sociedade que o criou.

Desde sua inauguração, Tremembé carrega o rótulo de “presídio dos famosos”. Lá estão ou já estiveram, alguns dos personagens mais notórios da crônica policial nacional: Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá, Alexandre Nardoni, Roger Abdelmassih e os irmãos Cravinhos. Figuras que, antes de usarem uniformes do sistema prisional, estampavam capas de jornais e documentários. Essa coexistência de notoriedade e isolamento fez de Tremembé uma espécie de laboratório social, um espaço onde o Brasil acompanha, de longe, o destino daqueles que viraram símbolo de seus próprios crimes.
O presídio é conhecido por suas divisões internas: Tremembé I, voltado a presos comuns, e Tremembé II, reservado a detentos de “perfil diferenciado” , expressão burocrática que, na prática, significa pessoas que chamariam atenção ou correriam risco de vida em outras unidades. É o caso dos presos “de repercussão”: políticos, assassinos de alto perfil, ex-policiais e figuras midiáticas. Essa separação, embora tenha justificativa de segurança, sempre gerou polêmica. Muitos veem ali um sistema de privilégios, uma “prisão de elite” que parece destoar da realidade superlotada e precária do sistema carcerário brasileiro.

Tremembé ganhou os holofotes em diversas ocasiões. Em 2006, por exemplo, o local precisou ser reforçado durante a série de rebeliões orquestradas pelo PCC em todo o estado. Na época, o nome “Tremembé” estampou os jornais como símbolo da tensão entre o Estado e o crime organizado. Anos depois, em 2015, uma nova onda de curiosidade surgiu quando Suzane von Richthofen passou a obter benefícios de saída temporária, as “saidinhas” e imagens dela circulando fora dos muros causaram furor nas redes sociais. Cada aparição reacendia debates sobre perdão, justiça e privilégio.
Outras histórias curiosas também ajudam a alimentar a fama do presídio. Em 2017, a direção precisou reforçar as regras internas após uma carta de amor entre Suzane e outro detento viralizar, revelando um “romance carcerário” improvável. Já em 2020, rumores sobre tentativas de produção de livros e roteiros inspirados nas presas de Tremembé renderam discussões sobre direitos autorais e ética exatamente o tipo de dilema que a série da Amazon agora transforma em drama audiovisual.
A fama de “presídio midiático” também tem relação com sua geografia. Diferente das grandes penitenciárias da capital, Tremembé fica em uma região de fácil acesso, próxima a Taubaté, e acabou atraindo olhares de repórteres e curiosos ao longo dos anos. As imagens de viaturas chegando, visitantes entrando e câmeras se aglomerando na frente dos portões se tornaram parte da iconografia do lugar. É uma prisão que vive sob os refletores mesmo quando tenta parecer discreta.

A série Tremembé, dirigida por Vera Egito, bebe diretamente dessa mitologia. Ao dramatizar o cotidiano do presídio e os conflitos entre suas figuras mais conhecidas, a produção mistura realidade e ficção de um jeito que só poderia acontecer aqui. A ideia não é refazer os crimes, mas mergulhar nas relações humanas e na convivência forçada entre pessoas que o público conhece por nome e rosto. É uma espécie de bastidor da infâmia, com estética cinematográfica e um roteiro que joga com o desconforto do espectador.
E o desconforto é inevitável. Assistir Tremembé é encarar de perto um lugar que simboliza o limite entre o arrependimento e o espetáculo. Por um lado, há o fascínio: quem são essas pessoas agora, como vivem, o que pensam, do que se arrependem? Por outro, há a sensação incômoda de que transformamos tudo até o castigo em conteúdo. Tremembé virou um gênero próprio, onde o público assiste à dor com a mesma atenção que dedica a um episódio de suspense.
O presídio, com sua rotina regrada e seus nomes célebres, acabou se tornando o palco ideal para o tipo de narrativa que o Brasil adora consumir: aquela que mistura moral, fama, justiça e voyeurismo. É o mesmo fenômeno que fez Carandiru virar filme, Elize Matsunaga virar documentário e agora Tremembé virar série. No fim, o que nos prende não são as grades, mas o fascínio por histórias que parecem ficção e que, de certa forma, nunca param de se repetir.
Tremembé, afinal, é mais do que um lugar. É uma lente sobre o Brasil. Um símbolo da forma como transformamos o crime em narrativa, o julgamento em espetáculo e o castigo em cultura pop. Um mito moderno feito de concreto, culpa e audiência.
Veja mais sobre crimes aqui.